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Luciiinda!

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Teve um dia que o gancho da minha chapa ferrou minha língua. Achando graça, eu mais velho Tácio, na cozinha. Tácio é meu amigo de fazeora. Pense na ruma de hora! Pois então. Num me lembro do que a gente tava rindo, sei que tinha comida e mais uma ruma de bebida. Tinha bebida boa lá e comida pra gente besta se engasgar. Lucinda dormindo, cansada de escutar nossas besteiras, e o gancho dos dentes postiços pegou o cabresto da minha língua. Se enganchou de modo difícil, do jeito que num tinha como desenganchar.


Toda vez que escuto o primeiro disco de Chico César, me lembro do meu amigo Tácio de Brito. Decorou a poesia/música “Beradeiro”. E ele declamava de uma toada só, sem faltar ponto nem pingo em i. Velho Tácio, tal qual eu, se identifica com boa poesia. Mas, então… voltando à vaca morta, à conversa, aquilo do que eu estava falando… Era o quê mermo? Ah, sim! Perainda! Tava falando da prótese, da língua sem poder falar, do arame feito anzol que me fisgou e fez meu queixo babar. Tácio só (graças à Deus!) soube chamar Lucinda, sua esposa!


E gritava “Lucinda, Lucinda! Acode aqui! Vem pra cá!”. Eu agoniado… Pense numa criatura fisgada, sem ser peixe, sem umeno saber nadar, sabendo que tava ferrado, com um gancho atravessado, debaixo da língua, daquele lado de lá pra cá. E naquele tempo eu inda tinha dente natural, mas nenhuma mordida que eu dava num soltava o arame de aço que fazia minha boca babar e sem se calar a gargantar num querer morrer, sangrando, doendo paporra, caído no chão já da sala, sacodindo as pernas tentando com as mãos aquele troço desenganchar.


Ô coisa horrível, você não queira experimentar. Num dava pra cuspir aquele trambolho pra fora da minha boca. Num tinha nem como engolir! Se desse, imagina como seria praquilo depois eu cagar? Minha língua é curta. Ri não, fidiputa, que se passou toda minha vida naquela hora, naqueles pedacinhos de segundos. Juro por Nossa Senhora que achei que ia morrer. Imagina eu, cabeludo, o queixo todo barbado, sem camisa, feio que só o diabo, com aquele troço pendurado, cheio de dente a sorrir? Debaixo da minha língua?!


Mas, Lucinda escutando o alarido, afastou o velho Tácio, meu amigo, de perto de mim, pois que estava agoniado, desesperado, se tremendo feito labareda de lamparina ao vento e me acudiu na hora agá. Parei de estrebuchar. Diante do cintilar dos olhos serenos de Lucinda, deixei as lágrimas de aperreio, pelo cantos de meus olhos escorrerem ao deusdará. A doce Lucinda, mulher do bem, ino e voltano, minha amiga para todas as vidas disse: “Te acalma, menino. Pronto. Agora vão se aquietar, seus abestados. Me deixem dormir. Pode ser?”


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