Foto: Fabian Kron
A recente retomada das discussões sobre a construção da ferrovia transoceânica, ligando o Brasil ao Pacífico por meio do Peru e com financiamento e interesse estratégico da China, é, sem exagero, o mais importante fato da história recente do Acre.
O traçado proposto para essa obra monumental atravessa o Vale do Acre e conecta nossa realidade periférica ao centro do poder econômico e político do país. Pela primeira vez em muito tempo, o Acre pode deixar de ser apenas território de fronteira para se tornar território de passagem. E isso muda tudo.
Se o projeto sair do papel, os impactos econômicos e sociais para o estado serão profundos. Novos fluxos de comércio, investimentos logísticos, atração de empresas, valorização de ativos e, com eles, oportunidades de emprego e renda. Mas é preciso dizer com clareza: o efeito transformador não será automático.
Para que essa possível rota da prosperidade não se torne só mais uma miragem, o Acre terá que se preparar. O estado precisa de uma estratégia integrada que envolva qualificação da mão de obra, investimentos em infraestrutura complementar (estradas, telecomunicações), regularização fundiária, gestão e controle ambiental, proteção de populações indígenas, fortalecimento da governança local e articulação entre governo estadual, prefeituras, setor privado e sociedade civil.
Mais do que isso, será necessário um plano de desenvolvimento territorial que antecipe os impactos da ferrovia e defina o que queremos ser nesse novo cenário. Se não planejarmos, corremos o risco de ver o trem passar — sem embarcar nele.
Mas antes da engenharia, há a geopolítica. E esse talvez seja o maior desafio.
O projeto da Transoceânica interessa profundamente à China. Para os chineses, trata-se de uma nova rota de escoamento de matérias-primas e acesso aos mercados da América do Sul — sem a dependência do Canal do Panamá e das rotas dominadas por interesses norte-americanos. A ferrovia é fundamental para a viabilidade ao mega investimento que o país fez no Porto de Chancay.
Para o Brasil, significa diversificar suas conexões com o mundo, ganhar autonomia logística e aproximar o desenvolvimento da região amazônica dos grandes centros globais.
É exatamente por isso que o projeto não interessa aos Estados Unidos. E aqui não se trata de teoria conspiratória, mas de realismo geopolítico. Washington fará tudo o que estiver ao seu alcance para minar ou desacelerar a ferrovia. Pressão diplomática, incentivos alternativos, financiamento de instabilidade política: nada disso pode ser descartado.
Veja o que o Governo Trump fez esta semana com a imposição de taxas absurdas sobre produtos brasileiros. Alguém tem dúvida que a motivação foi a recente reunião dos BRICS no Rio de Janeiro, aliado ao lobby da família Bolsonaro por anistia nos processos no STF?
Portanto, a continuidade do projeto da ferrovia dependerá da força política do Brasil. Será preciso coragem para sustentar uma estratégia nacional de longo prazo mesmo sob pressões externas. Será necessário ter governo com visão, com soberania e com capacidade de articulação regional. O Brasil precisa decidir se será sujeito e assume seu destino ou se seguirá com o vira-latismo diante dos interesses americanos.
No caso do Acre, essa decisão é ainda mais urgente. Se o projeto andar, o estado pode deixar de ser um canto esquecido do mapa para se tornar um corredor estratégico de integração continental. Para isso será preciso foco no planejamento estratégico, menos improviso na gestão pública e uma visão de futuro capaz de alinhar ao máximo possível os agentes políticos, econômicos e sociais locais.
Talvez estejamos diante da nossa última chance real de dar um salto de desenvolvimento. Resta saber se estaremos à altura do momento.