Foto: Agência Nexo/assessoria
O Seminário Internacional de Bioeconomia e Sociodiversidade – Txai Amazônia, realizado na Universidade Federal do Acre (UFAC), em Rio Branco, promoveu nesta quinta-feira (26) o painel “Integração de Saberes: Ciência, Tradição e Qualificação para a Bioeconomia Amazônica”, que discutiu a ética nas relações interétnicas, a proteção do conhecimento tradicional e os desafios de integrar saberes tradicionais e científicos para fortalecer a bioeconomia na Amazônia.
Terezinha Aparecida Borges Dias, pesquisadora de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Embrapa, abriu o debate destacando a ética como pilar fundamental nas relações entre cientistas, instituições e comunidades tradicionais. “A ética deve guiar nossa interação com colegas, instituições e, sobretudo, com os povos indígenas, respeitando seus saberes e práticas culturais”, afirmou, propondo ainda reflexões de como integrar ciência e conhecimento tradicional de forma colaborativa, de colocar limites éticos na transformação de saberes culturais em produtos econômicos.
A pesquisadora apontou gargalos na educação indígena e na capacitação de organizações que trabalham com esses povos, sugerindo a inclusão de conteúdos sobre conhecimento tradicional e marcos legais nas escolas indígenas. “Precisamos garantir que a educação indígena amplie o acesso a esses saberes e respeite as normas éticas que regulam essas relações”, destacou Terezinha Dias.
Outro ponto levantado por Terezinha foi a necessidade de instrumentos legais que protejam o conhecimento tradicional e assegurem a repartição justa de benefícios. “A bioeconomia deve respeitar os limites éticos ao transformar saberes culturais em produtos econômicos, garantindo que as comunidades sejam protagonistas nesse processo”, reforçou.
Ana Luiza Arraes de Alencar, coordenadora do Departamento de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, detalhou a evolução da legislação brasileira sobre patrimônio genético e conhecimento tradicional, com foco na Lei nº 13.123/2015, que substituiu uma medida provisória de 2000 e regulamenta o acesso à biodiversidade, seu uso sustentável e a repartição de benefícios. “Essa legislação abrange mais de 300 povos indígenas, comunidades tradicionais e a agricultura familiar, um desafio imenso devido à diversidade cultural do Brasil”, explicou. Originada na Rio 92, a lei se baseia no tripé conservação da biodiversidade, uso sustentável e repartição justa, buscando combater a biopirataria, como no caso da multinacional Novartis, que acessou recursos genéticos amazônicos sem compensação justa.
Ana Luiza enfatizou a natureza coletiva do conhecimento tradicional, que não depende de registros ou publicações para ser protegido. “Mesmo saberes sagrados ou secretos estão resguardados pela lei. A proteção não exige exposição pública, mas sim o reconhecimento da comunidade que detém esse conhecimento”, afirmou. Ela criticou o silenciamento histórico das contribuições indígenas, citando o exemplo do botânico francês Auguste de Saint-Hilaire, que dependeu de um auxiliar indígena sem que sua etnia ou línguas fossem documentadas. “É hora de reconhecer os verdadeiros detentores desses saberes, que historicamente contribuíram para a ciência sem receber crédito”, defendeu.
A coordenadora também abordou o Fundo Nacional de Repartição de Benefícios (FNRB), que desde 2020 arrecadou cerca de R$ 10 milhões de 81 empresas, sendo 46 em 2024. Apesar do progresso, o montante é insuficiente frente à escala da bioeconomia brasileira. “Precisamos que milhares de empresas, dos setores agrícola, farmacêutico e de cosméticos, participem da repartição de benefícios”, destacou. Ela esclareceu que a repartição ocorre principalmente na produção de mudas, sementes e microrganismos, e não apenas na comercialização final. “Embora a legislação tenha limitações, ela está evoluindo para alcançar mais setores e garantir que os benefícios cheguem às comunidades”, afirmou Ana Luiza.