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Os problemas, os caminhantes e a caminhada

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Editorial ac24horas

A raiva, a intolerância e a desinformação, aos poucos, vão sendo domadas na Reserva Extrativista Chico Mendes, ainda como consequência da Operação Suçuarana. Repare o leitor na expressão usada: “vão sendo domadas”. Os sentimentos estão ali, sufocados, presos. Estão ansiosos para gritar após apertarem a sequência de números e “confirmarem” em outubro de 2026. Serão fatais e quase óbvias as consequências políticas de tudo o que envolve o episódio. Longe está o cenário de compreensão correta do processo.


Mas, aos poucos, a verdade vai se impondo. Pressionado pela direção acreana do partido Rede Sustentabilidade, o ICMBio percebeu que tratar das consequências da Operação Suçuarana é travar uma guerra no âmbito da Comunicação de Massa: era preciso dizer mais, aproximar-se mais das pessoas, era preciso se expôr mais em um esforço de tentar explicar ponto a ponto o que, de fato, está acontecendo para além da pós-verdade de TikTok.


Com essa lógica, o presidente nacional do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Mauro Oliveira
Pires, partiu para o enfrentamento de entrevistas. Uma após outra; argumento após argumento, o drama vai sendo esmiuçado e pouco a pouco vai se percebendo que aqueles que, inicialmente, se mostravam como desesperadas vítimas, buscando “somente sustentar a família”, chamando até os bois por nomes próprios, de vítima mesmo nada tinham.


As consequências foram aumentando os decibéis de gravidade. O episódio de arrombamento do frigorífico onde estava parte do gado apreendido mostrou quem é que não suporta obedecer à lei. Da mesma forma mostram as pontes queimadas, as cercas cortadas e a suposta tentativa de incêndio do acampamento onde estavam os agentes de fiscalização. Isso não é opinião. É o fato.


Como ainda está sob objeto de investigação, este espaço nem vai tratar do suposto envolvimento de facções criminosas na comercialização de gado na região. Em nome do equilíbrio da abordagem, é necessário deixar que as investigações avancem para sustentar uma opinião. A lembrança do detalhe serve para o leitor se situar da teia complexa que o problema da pecuarização da Resex Chico Mendes apresenta.


A desinformação, aliada à manipulação política do mais baixo nível, maneja o sentimento de pertencimento a um determinado grupo político. Exemplo: um deputado federal, com aguçado senso de oportunidade, orientou um simpatizante que, em rede social, solicitou. “O deputado está chegando à manifestação e ele quer conversar com alguém que seja filho ou neto de Soldado da Borracha. Se alguém souber, prepare aí que o deputado quer falar com essa pessoa”, alvejou. E dá-lhe manipulação!


O Governo do Acre e o Governo Federal também têm boa dose de responsabilidade no caos como um todo. Em entrevista ao senador Sérgio Petecão, o presidente do ICMBio estabelece uma linha de argumentação que não é integralmente verdadeira. Sugere que os problemas vividos agora são responsabilidade da gestão de Jair Bolsonaro na presidência.


É evidente que a pecuarização da resex, as queimadas ilegais e o desmatamento ilegal podem ter sido agravados porque os órgãos de fiscalização foram aparelhados e fragilizados durante o período de Bolsonaro na Presidência. Mas o poder público estava ausente da Resex Chico Mendes bem antes. O próprio fenômeno da pecuarização da reserva já demonstra falhas, inclusive do ICMBio. Se em 2010, já havia 21 mil cabeças de gado e hoje o instituto contabiliza 126 mil cabeças cadastradas no local, alguém deixou de fazer o que tinha que ser feito.


O modo de vida em uma reserva extrativista, a defesa do Plano de Uso da Resex, a formação dos moradores do lugar em uma percepção de vida coletiva, gregária, não existe. As decisões na resex deveriam ser tomadas semelhantes ao que ocorre no Projeto Reca, no vizinho estado de Rondônia. Os agentes de fiscalização do ICMBio não podem ter uma percepção de que cumprir ordem judicial é proteger o modo de vida na reserva. É também. Ninguém se educa sob a mira de um fuzil.


Resta saber o que será feito após a conclusão da Operação Suçuarana. Como será a postura da comunidade da resex? Como será a postura do ICMBio? É preciso buscar compreender o espírito das pessoas que bloquearam a BR-317 em protesto contra a operação. A retórica, também muito manipulada, de que “no cumprimento da ordem judicial não estava se praticando a Justiça” encontrou pasto fértil no coração de muitos ali.


É preciso repactuar a convivência na Resex Chico Mendes. É preciso fortalecer um movimento de pacificação e, nessa busca, o Ministério Público Federal tem uma missão estratégica de tentar encontrar uma solução equilibrada. A resex é necessária. Essa é uma premissa fundamental. A partir disto, o que fazer? Como fazer? Não há respostas simples e nem fórmulas prontas. É preciso disposição para encontrar caminhos novos. Resta saber quem está disposto a reiniciar a caminhada.


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