A caravana “BR-364 Pede Socorro”, sob o aspecto político, foi bem conduzida. Gestada de forma democrática, em uma audiência pública, e requerida pelo presidente da Comissão de Obras Públicas e Transporte, André Vale (Podemos), a mobilização foi planejada com régua e compasso na mesa do presidente Nicolau Júnior. Com os atropelos e aperreios típicos de um evento dessa natureza, em uma região de logística tão complicada, pode-se dizer que tudo aconteceu como planejado.
Mas há muitos buracos e “costelas de vaca” no caminho que merecem reflexões. A condução política feita por Nicolau foi eficaz porque respeitou todas as vozes. Alguns podem argumentar que isso seria uma obrigação do presidente, dado o equilíbrio que o cargo exige. É uma linha de argumentação plausível.
No esforço de ser justo, no entanto, é preciso ressaltar que o presidente Nicolau Júnior não é um defensor do Governo Federal. Não defende Lula, por exemplo. Mas a caravana dirigiu ao presidente da República as críticas necessárias sem o tom desrespeitoso e raivoso, típicos de alguns parlamentares federais que só falam para a própria bolha. De uma forma geral, a caravana fugiu a esse roteiro da intolerância e do extremismo. O ato político refletiu o perfil da atual presidência da Aleac.
Mesmo porque os raivosos que falam para o próprio rebanho souberam silenciar entre 2019 e 2022, período em que nenhuma piçarra foi lambuzada com piche no trecho da BR-364 entre Rio Branco e Cruzeiro do Sul. De uma hora para outra, os raivosos de plantão entenderam de sacar o falso argumento de que houve uma pandemia no meio do caminho.
Mesmo sem os raivosos, as críticas foram feitas. E elas incomodaram o superintendente do Dnit no Acre, Ricardo Araújo. Durante a caravana, é necessário ressaltar que Araújo não foi no mesmo carro do presidente da Aleac, o que faria parte de um rito natural em Condições Normais de Temperatura e Pressão. Mas a química tem transitado em ambiente ácido quando o tema é BR-364 aqui no Acre.
A cada parada em pontos estratégicos, uma saraivada de críticas ao atual Governo Federal. Um ou outro parlamentar, na tentativa de querer dar algum equilíbrio ao que dizia, bodejava uma retórica, lembrando do recente período em que a estrada saiu da agenda do Dnit em Brasília, para logo depois renovar a mira, estrategicamente, à atual Presidência da República. São os “parlamentares de gogó”, para lembrar uma ironia dita pelo deputado oposicionista Edvaldo Magalhães. O fato é que aquele sentimento de peito apertado foi se acumulando nas entranhas do filho de José Augusto Araújo, o democrata deposto.
Ao chegar em Cruzeiro do Sul, em um arroubo de “basta”, Ricardo Araújo despejou. “A BR-364 sempre foi encarada como outra rodovia do Brasil, que era apenas pelo econômico. E se passaram quatro anos atrás [Governo Bolsonaro], foi feita uma política onde se escolheu optar pelos estados onde tinha uma economia mais forte girando. E o Acre, como não produzia muita coisa, ficou relegado a um segundo plano. Nós passamos quatro anos sem verbas para a BR-364”, se esforçou politicamente o engenheiro Araújo, em declaração reproduzida pela equipe do ac24horas que acompanhou todo o trajeto.
Araújo, o filho, paga pelo silêncio. No início da gestão de Lula 3, o Dnit fez reparos importantes e estratégicos em pontos da estrada que se desmancharam, frutos do descompromisso anterior. O trabalho foi importante e garantiu o trânsito de cargas e pessoas. Mas Ricardo não soube se comunicar com a sociedade no volume e na intensidade necessários.
O tempo foi passando. Os invernos despejando água. Aquele zelo que havia na fiscalização, fruto de um convênio entre Deracre e Dnit, que mantinha sete balanças no trecho, não existe mais. Atualmente, há caminhões de transporte de cargas que negligenciam qualquer limite de peso e não há ninguém que fiscalize essa irresponsabilidade cara ao povo acreano. Além disso, paradoxalmente, os caminhões que trazem os insumos para reconstrução da estrada são os mesmos que, de tão pesados, deixam um rastro de destruição por onde passam.
De tempos em tempos, as técnicas da engenharia mudam. A novidade de hoje, o baldrame hidráulico, já teve outros nomes no passado, manejos de pedra, cimento e suor, que iriam perdurar por toda a eternidade, mas que se desmancharam diante das irresponsabilidades e descompromissos dos governantes de plantão. Construir estrada na Amazônia tem custo muito alto. No entanto, muito mais caro é o descompromisso. O povo do Acre sabe muito bem o preço. O diabo é que a paga é à vista, mas o sofrimento vem à granel.