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Linguística

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Linguística, nos tempos em que eu dei as minhas primeiras cacetadas como estudante de Letras (já vão longe esses tempos), nunca foi o meu forte. Fonemas, morfemas e congêneres formavam um bloco de teorias maçantes e complicadas à minha compreensão. Creio que por conta dessa antipatia, eu precisava estudar muito para chegar, ao menos, no nível da mediocridade.


Um postulado, porém, do “papa” da disciplina, Louis Hjelmslev (isso é um sobrenome ou uma sopa de letrinhas?), nunca me saiu da cabeça. O de que a linguagem é um instrumento graças ao qual o homem modela o seu pensamento, os seus esforços, a sua vontade, os seus atos, bem como o instrumento que o permite influenciar e ser influenciado.



Tudo estaria perfeito, não fosse a minha falta de memória que não me faz lembrar como Hjelmslev tratou a questão dos guetos linguísticos quando confrontados com outros guetos. Explico. Como se daria o convencimento quando do diálogo entre dois indivíduos que falam a mesma língua, mas que adotam como forma de comunicação gírias exclusivas de um determinado grupo social.


Motoristas de táxi, por exemplo, são capazes de comunicar-se sem que o comum mortal ao seu lado entenda coisa nenhuma. Para eles, a guisa de demonstração do que estou dizendo, macanudo é um outro taxista, coruja é namorada ou esposa, batom é passageira mulher macaco preto é telefone e valete é passageiro homem. Fora os QAP, QTL, QSJ e QTR tão usuais.


Uma conversa entre viciados, então, a gente só entende se eles quiserem. Falam horas na nossa frente e nós só deciframos pequenos fragmentos. Ou qualquer careta aí na frente desta página sabe que mocozar, morcegão, rainha e vovozão significam, respectivamente, “esconder”, “cara que só sai à noite”, “meretriz” e “baseado”? (Eu li a respeito, viu, maldosos?).


O assunto me ocorre devido a uma história que eu presenciei quando dos Jogos Universitários Brasileiros de 1988, na Paraíba. Na qualidade de presidente da delegação, eu tinha que ficar atento a muitos detalhes, resolver pendências, zelar pelo bem-estar dos atletas. Por conto disso, numa certa madrugada tive que levar um atleta com dor de ouvido ao Pronto Socorro.


O médico, sonolento, com cara de poucos amigos, em busca de uma pista e querendo livra-se o mais rapidamente possível do atendimento, perguntou ao atleta enfermo: “O que foi isso, meu jovem?”. O sujeito, sentado na maca da enfermaria e gemendo baixinho, disparou: “Num sei não, seu dotô. Só sei que tomei uns goró, deu uma lombra e blau blau!”.


Confesso que até hoje não sei o que causou a dor de ouvido do indivíduo. O médico, provavelmente, também não. Parte da culpa pelo desentendimento atribuo ao Hjelmslev. Sorte que o sedativo fez efeito.


Março de 2001


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