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Linguística

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Quem escreve hoje é o Dr. Francisco “Dandão” Pinheiro, meu mestre na escrita de crônicas.


Linguística, nos tempos em que eu dei as minhas primeiras cacetadas como estudante de Letras (já vão longe esses tempos), nunca foi o meu forte. Fonemas, morfemas e congêneres formavam um bloco de teorias maçantes e complicadas à minha compreensão. Creio que por conta dessa antipatia, eu precisava estudar muito para chegar, ao menos, no nível da mediocridade.


Um postulado, porém, do “papa” da disciplina, Louis Hjelmslev (isso é um sobrenome ou uma sopa de letrinhas?), nunca me saiu da cabeça. O de que a linguagem é um instrumento graças ao qual o homem modela o seu pensamento, os seus esforços, a sua vontade, os seus atos, bem como o instrumento que o permite influenciar e ser influenciado.



Tudo estaria perfeito, não fosse a minha falta de memória que não me faz lembrar como Hjelmslev tratou a questão dos guetos linguísticos quando confrontados com outros guetos. Explico. Como se daria o convencimento quando do diálogo entre dois indivíduos que falam a mesma língua, mas que adotam como forma de comunicação gírias exclusivas de um determinado grupo social.


Motoristas de táxi, por exemplo, são capazes de comunicar-se sem que o comum mortal ao seu lado entenda coisa nenhuma. Para eles, a guisa de demonstração do que estou dizendo, macanudo é um outro taxista, coruja é namorada ou esposa, batom é passageira mulher macaco preto é telefone e valete é passageiro homem. Fora os QAP, QTL, QSJ e QTR tão usuais.


Uma conversa entre viciados, então, a gente só entende se eles quiserem. Falam horas na nossa frente e nós só deciframos pequenos fragmentos. Ou qualquer careta aí na frente desta página sabe que mocozar, morcegão, rainha e vovozão significam, respectivamente, “esconder”, “cara que só sai à noite”, “meretriz” e “baseado”? (Eu li a respeito, viu, maldosos?).


O assunto me ocorre devido a uma história que eu presenciei quando dos Jogos Universitários Brasileiros de 1988, na Paraíba. Na qualidade de presidente da delegação, eu tinha que ficar atento a muitos detalhes, resolver pendências, zelar pelo bem-estar dos atletas. Por conto disso, numa certa madrugada tive que levar um atleta com dor de ouvido ao Pronto Socorro.


O médico, sonolento, com cara de poucos amigos, em busca de uma pista e querendo livra-se o mais rapidamente possível do atendimento, perguntou ao atleta enfermo: “O que foi isso, meu jovem?”. O sujeito, sentado na maca da enfermaria e gemendo baixinho, disparou: “Num sei não, seu dotô. Só sei que tomei uns goró, deu uma lombra e blau blau!”.


Confesso que até hoje não sei o que causou a dor de ouvido do indivíduo. O médico, provavelmente, também não. Parte da culpa pelo desentendimento atribuo ao Hjelmslev. Sorte que o sedativo fez efeito.


Março de 2001


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