Foto: Sérgio Vale
Em entrevista emocionante e bem-humorada ao programa Bar do Vaz, o ex-jogador e advogado Edson Carneiro, de 77 anos [agosto completa 78], relembrou sua trajetória no futebol acreano, a infância vivida em Rio Branco nos tempos da Cadeia Velha, as memórias da história política do Acre, a carreira jurídica e a chegada inesperada da filha caçula aos 70 anos. Entre histórias de superação, saudade e reflexões sobre o passado e o presente do Acre, Edson também falou sobre saúde mental, segurança pública e o impacto das amizades na luta contra a depressão neste sábado (24).
Com bom humor, Edson compartilhou momentos de sua infância e juventude vividos no coração de Rio Branco. “Eu sou de 1947. Vou fazer 78 agora em agosto. Quando o Acre foi elevado à categoria de Estado, em 15 de junho de 1962, eu tinha 15 anos de idade. Naquele mesmo ano comecei a trabalhar de peão de obra. Trabalhava na antiga Fundação, e em 63 já estava no Governo do Estado, carregando cimento, barro, tijolo”, relatou.
Edson é filho de Clíntio Barbosa da Costa, conhecido como Pedro Sepetiba, e sobrinho de figuras marcantes da sociedade acreana, como Jofre Barbosa da Costa, o “da Costa”, e Alberto Costa, juiz de paz. “A influência da minha família serviu para nos dar um referencial, mas não para impor ou conseguir alguma coisa por debaixo dos panos”, afirmou.
Foto: Sérgio Vale
Sobre sua infância no bairro Cadeia Velha, Edson relembra com nostalgia. “Eu nasci na Cadeia Velha, na rua Amazonas. Depois me mudei para a Quintino Bocaiúva. A gente escutava o apito do navio,, era uma alegria. Corria todo mundo para a beira do rio para ver atracar. Aquilo era uma festa”, relatou.
Durante a entrevista ao jornalista Roberto Vaz, Edson também recordou como era viver no Acre antes da expansão urbana. “Não existia bairro como hoje. Era assim: eu morava na Cadeia Velha, no 15, no 6 de Agosto, no Preventório. Aqui era a Invernada, e a cidade se estendia pouco. Todo mundo se conhecia”, relatou.
Com um olhar atento à história política do estado, Edson não escondeu a admiração por José Guiomard dos Santos. ” Implantou uma política pública de suporte à cidade de Rio Branco, com a criação das colônias e nessas colônias tinha o núcleo do Apolônio Sales, do Juarez Távora, da Custódio Freire, do Calafate”, afirmou. ”
O ex-jogador também comentou sobre as diversões da juventude de sua época: “As diversões eram por época. Tinha a época do pião, da peteca, do papagaio, que a gente chamava de pepeta. Quando era mais elaborado, era cangula ou champeta. Mas tudo isso sem deixar de cumprir as obrigações de casa. Com sete anos já fazia graveto para o fogo, com dez já carregava água para a casa, buscar água para beber, limpar a casa”, relatou.
A disciplina em casa também foi um tema abordado com carinho e respeito: “Era aquele sistema antigo. Bastava o pai olhar [com a cara fechada]. Não precisava dizer nada. Talvez por isso eu tenha desenvolvido uma capacidade de mais ouvir do que falar, embora eu seja um falastrão, mas quando se fala de assuntos sérios, sou mais de ouvir do que de falar”, brincou.
Filho do lendário Pedro Sepetiba, lateral das décadas de 1940 e 1950 conhecido por “não levar desaforo pra casa”, Edson herdou o talento esportivo do pai e seguiu os passos do irmão João Carneiro, virando um dos atacantes mais eficientes da sua geração na época.
“Com 12 anos, a gente batia pelada. Joguei primeiro no time do Albertino, ainda quando era pião da Secretaria de Obras. Depois fui pro quartel e acabei jogando no Grêmio Atlético Sampaio (GAS). Quando o GAS acabou, voltei pro Rio Branco em 68 até 71”, relembrou.
Foto: Sérgio Vale
Edson vestiu a camisa do Rio Branco nos anos 60 e 70, jogando como centroavante. “Eu batia legal, com elegância. Um metro e setenta e oito, 64 KG e depois me colocaram da ponta para o meio. Eu presenciei o Walter Félix e ele fez uma renovação e eu via eles nos treinamentos e ele fez uma programação de curto a longo prazo”, brincou, ao comentar seu desempenho em campo.
Mas não foi só no futebol que Edson brilhou. Ele também é um nome respeitado no meio jurídico. Formou-se em Direito pela Universidade Federal do Acre (Ufac), completando o curso na Católica de Mato Grosso. Desde 1980, está inscrito na OAB.
“A profissão que eu exerço por mais tempo é a de advocacia. Já são 45 anos. Sempre tive o princípio de buscar a transigência, fazer o acordo. Você vem de lá pra cá, eu venho daqui pra lá, e a gente se encontra no meio”, explicou. No entanto, no Tribunal do Júri, o tom muda. “Aí eu sou inflamado, me apaixono no bom sentido pra defender o cliente. Eu confesso que não gosto muito do júri, porque a prova testemunhal é muito perigosa. Um dos meus professores dizia: ‘a testemunha é a prostituta das provas’, porque a pessoa se prostitui por dinheiro, por amor ou por amizade”, relatou.
Durante a conversa, Edson mergulhou também nas lembranças da política acreana dos anos 1950 e 60. Relembrou a efervescência no Hotel Chuí, onde hoje funciona a Prefeitura de Rio Branco, e as discussões acaloradas entre rabo-finos e rabo-chatos.
“Em agosto de 54, quando o Getúlio Vargas se matou, eu estava lá. Era aquela briga. Os cabeças coroadas discutindo. Uns diziam que se o Acre virasse estado, iam pegar em armas para impedir. A briga era entre PSD e PTB. Os rabo-chatos defendiam Gilmar Santos, os rabo-finos, Oscar Passos. Lembro até de ver os dois, em 57, conversando de paletó de linho branco, e o povo ficou zangado, como se fossem inimigos. Mas eram apenas adversários políticos, e ainda por cima, os dois militares”, revelou.
Também recordou o convívio com o ex-governador José Augusto, que acabou sendo cassado pelo regime militar “Quando fui conversar com ele em Cruzeiro do Sul, já depois de cassado. Ele estava debilitado, mas conversava amenidades. Eu o conhecia desde quando eu era peão do governo. Conheci os filhos dele”, destacou.
Edson também falou da infância estudantil, com passagens pela escola infantil Menino Jesus, grupo escolar Presidente Dutra, e depois o Colégio Acreano, onde fez técnico em contabilidade antes da faculdade. Exerceu diversos cargos no serviço público, inclusive como coletor estadual em Feijó. “O Deusdete Nogueira, que era secretário na época, me deu a missão. Fui coletor por dois anos”, relatou.
Carneiro lembrou nomes históricos do futebol acreano, como Pedro da Pensão, Sebastião Araújo, que chegou a integrar a Seleção Brasileira, e Campos Pereira. Em tom nostálgico, destacou o quanto esses atletas foram “gorilados pelo técnico” e contextualizou a ascensão do Acre no cenário nacional durante o governo de Francisco Wanderley Dantas.
No entanto, Edson também fez uma análise do impacto da gestão do ex-governador, a quem chama de “Dantinha” e lembra que teve seu tio, Alberto Barbosa da Costa, como vice-governador. “Fazer uma crítica ao passado se torna um pouco assim, eu nem sei dizer a palavra. Porque lá na época não se via. Mas teve benefícios, mas houve malefícios também. Houve uma ocupação desordenada dos seringais, não foi respeitado o direito de posse das pessoas que estavam lá, que estavam abandonadas à própria sorte. Essas pessoas vieram pra cidade e a cidade inchou. A periferia da cidade inchou, e aconteceram vários problemas sociais: tráfico de drogas, prostituição e etc”, pontuou.
O advogado também relembrou o Acre antes do “desenvolvimento” econômico, e destacou as dificuldades que a população enfrentava para consumir itens básicos. “Nós não tínhamos uma criação de insumos, de coisas pra população saber empreender. Pra comprar um quilo de carne era dificuldade, implorando, o cara jogava só pele e osso. ‘Você não quer, tem quem queira’. Depois, com a incrementação da pecuária, aí tivemos acesso a carne de qualidade, mais farta. Padarias também… a gente comprava um pão por pessoa na padaria dos Lameiros, lá dos Ribeiros. Um pão por pessoa”, observou.
Ao ser questionado sobre o que sente mais saudade, Edson foi direto: da segurança. “Eu saia de casa, ia lá pra tentar, voltava meia-noite, uma hora da manhã, ninguém mexia comigo. A pé, não tinha carro. Ia lá e voltava. Ninguém tinha problema”, observou.
Mas tudo mudou, segundo ele, em 2015, quando morava em Senador Guiomard. “Os ladrões roubaram tudo. Rebentaram tudo que quiseram. Eu não estava em casa, graças a Deus, porque talvez eu não estivesse aqui vivo pra contar. Ou estaria na prisão. Levaram tudo, botaram o nome da facção na única televisão que eu não consegui levar. Apontei os bandidos pro delegado. Um era de menor, com 16 anos, não podia ser preso. E o outro estava com a tornozeleira eletrônica. Disse que estava passeando dentro do meu sítio”, destacou.
Foto: Sérgio Vale
Edson relatou que chegou a andar armado por desespero. “Botei um revólver na cintura. Um querido amigo, que é procurador de Justiça, me viu armado e me deu o maior carão. ‘Você não pode andar armado, não faz isso’. Mas tu vai mandar prender os bandidos? Vai me dar segurança? Disseram lá depois: ‘nós volta’. Aí se eles vão voltar, eu vou ter que me armar. Porque se eles atirarem lá pra cá, eu atiro daqui pra lá”, contou.
A pressão da esposa o fez sair do Acre contrariado, mas, ao retornar por quatro meses, repensar muitas coisas. “Rapaz, eu fiz uma reflexão tão grande, que eu digo: como é que pode, eu já caminhando pros 80 anos, eu ia aprender tanto que eu tinha aprendido agora? Hoje, eu não tenho mais aquele destemor. Eu não vou mais, não. Eu vou, fico quieto”, relatou.
Edson revelou como a filha mais nova, Elisa Vitória, chegou em sua vida. “Como diríamos em francês, c’est la longue histoire. É uma longa história. A minha mulher queria ter uma filha. Ela só tinha dois filhos, relacionamento interior. Queria ter uma filha e, de repente, de tanto ela querer, Deus me deu essa possibilidade de, com 70 anos, quase 71, ser pai de uma menina. Que se chama Elisa Vitória”, relatou.
Edson confessou que, apesar de se considerar uma pessoa tradicional, é impossível não se deixar tocar pela filha caçula. “Embora eu seja um pouco tradicional, não me deixa influenciar muito, mas ela influencia. Você vai na escola, que amanhã é o dia dos pais”, relatou.
Durante a entrevista, Edson também compartilhou um momento acerca da saúde mental vivido ao retornar ao Acre no início do ano. “Eu vou fazer uma confissão pública aqui, Roberto. Nesses quatro meses eu vim para resolver uns problemas. E eu não conseguia, eu estava já entrando na depressão. Aí eu digo, não, eu tenho que suplantar. Onde que eu busquei forças? Primeiro em Deus, que é o Deus Todo-Poderoso e nos dá o dom da vida. Mas, abaixo de Deus, as amizades. Eu conversando, conto uma piada aqui, alguém me diz uma gozação ali”, encerrou.
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