Houve um tempo de bangue-bangue, de velho oeste no estado brasileiro do Acre. Foi um tempo tenebroso. Naquele tempo se matava ou se morria, por vezes tudo ao mesmo tempo. Quem podia correr, corria. Quem não podia atirar e correr, quem nem podia correr nem atirar, morria. Eu não sabia nem podia qualquer uma das alternativas. Me armei do que o destino me reservou, da índole boa e do bom preservacionismo, do bom humor. Busquei fazer o pessoal rir.
Mas tinha era muita gente de mau humor. Gente que detinha o poder de empregar e desempregar, de vender e de não deixar o dono da venda vender. Naquele tempo também tinha era muita gente do bem que, tal qual eu, buscava ficar vivo e fazer viver.
Gente tão boa e pacífica, tantas figuras que me envolveram em seu mundo de paz e criatividade. Aí eu fui me integrando e aprendendo o modus vivendi, o que dizer e o que não desenhar. Com quem falar, com quem brincar, com quem só cumprimentar e, calado, pegar meu pão e ir pra casa, ligeiro.
Meu patrão/amigo Elson Dantas, me disse para ter cuidado com o que desenharia em seu jornal, o vetusto Galinho Bom de Briga, o semanário Página 20, dos anos noventa do século passado.
Antonio Stélio, pena mais venenosa das redações do Estado, quiçá da Amazônia Legal/Brasil, fundador do tablóide, me colocou, à base de whisky Black Label e ameaça de ordenado mensal, não menor que o piso jornalístico da época, para desenhar uma charge diariamente, assim que o semanário tornasse-se diário, o que não tardou.
Fatidicamente houve uma operação federal no Acre. Operação Esquadrão da Morte. Era helicóptero, tanque, soldado, metralhadora, advogados, promotores, milhares de homens-da-Lei levando um tanto quanto de foras-da-Lei às barras da Justiça, testemunhas encapuzadas, ruas fechadas, imprensa nacional e internacional, sirenes… Clima de guerra!
– Eita! – Eu, na redação do Galinho, feito um pinto recém-saído da casca, ciscando na merda – Bolei uma charge do caralho, Elson! Olhaquí, Stélio! Tá massa, num tá não? Falaí, Beneilton Damasceno (professor Bené, que revisava os textos) Digalá, Júlio Dourado (O cara que fazia o pagamento)?!
Olharam a “ideia genial”, o rascunho a lápis. A caricatura estava perfeita – modéstia à parte. Sorrisos amarelos, muxoxos, batidinhas no ombro (como quem diz: “É isso aí, você chega lá!”). Aí o Gordãozão, meu amigo de fazeora, o Elson Dantas, de uma maneira didática e extremamente convincente, me disse mesmo assim, tal qual Don Corleone falando para Bonasera, em o Poderoso Chefão:
– Braguinha, Braguinha… Tu sabes quem é essa criatura que tu desenhastes, de forma magnífica, sem tirar nem pôr a fisionomia do cidadão? É um dos caras que ainda não foram presos pela Federal. O bicho tá solto, doido! Ele tem olho amarelo e tu, que é do Ceará, do nordeste, sujeito que sabe das coisas, sabe que cabra de olho amarelo não erra um tiro!
– Humm?
– Só pra tu te inteirar das coisas do mundo como elas são, quando ele ralhava com o filhinho dele, para dar lição, quando o moleque fazia uma traquinagem e corria, esse “cidadão do bem” dizia mesmo assim: Corra não, juninho, senão papai atira!
Aí eu fui convencido a assinar a carteira como diagramador. Chargista, nem coscarai!