Tio Lisboa

Por
Francisco Braga

Perdi meu querido tio/irmão Dr. Antônio Lisboa Carneiro Braga no inicio da semana, mais precisamente neste Dia das Mães. Mas, aqui não vou falar de tristeza, mostro um pouco da alegria que este bom homem trouxe ao mundo, pois que detinha o extremo bom humor, natural do Ceará.


Escrevi este texto em 2020, contando um pouco dos causos do Tiboa. Divirta-se.


CONSULTAS E CONTOS DE DR. LISBOA

Saí do posto de saúde Raimunda Porfírio, depois de duas horas de atendimento, mais meia hora de carro do Bujari para Rio Branco, após um plantão no pronto-socorro do Hospital de Base, tendo dormindo por alguns minutos na camarinha dos médicos da Unimed, mais quinze minutos pra um lanche.


Enquanto comia uma baixaria com mingau de banana no Mercado do Bosque, checava a agenda do dia. Chego ao consultório abarrotado de pacientes ansiosos pelo brilho de meu surrado jaleco de tergal. Encontrei a Edite, minha atendente, no consultório da Associação.


Havia três ou quatro pacientes – não sei – mais seus acompanhantes; um deles, uma jovem de cabelos metade verde, metade vermelho, ou grená (devia ser torcedora do Fluminense) que tinha um piercing na pálpebra inferior do olho esquerdo, com um pingente onde se lia em inglês: Liberty. O olho direito dela não foi possível ver, mediante o hematoma de cor arroxeada.


Fiz um gesto de soslaio à Edite, para que entrasse comigo no ambulatório. Edite era minha mão esquerda, caso eu perdesse a direita. Moça velha, mãe de cinco filhos, dos quais só Ninozim sobreviveu às agruras de sua vida extraordinariamente peculiar.


A vitalina Edite coordenava de um tudo naquele lugar, desde a unha quebrada de Nazira à gonorreia de Pedro Fumo, meus pacientes preferenciais, pois que eram meus amigos de infância, fora o Ssschiiico, meu sobrinho predileto. Me passou as coordenadas após um sermão por ter me atrasado. Fazer o quê?! Eu a pagava para isso.


Seu Antõe Lope – homem das cargas d’éguas, carregadoras d’águas, envasadas em potes de barro nos lombos, caboclo vivedor, fazedor de coisas e de gente – foi o primeiro paciente. Ali, olho-no-olho, minha profissão me dá esse privilégio, essa (como direi?) bênção de conhecer as pessoas.


Eu sei o que significa a palavra “entrevista”. O que se passa no consultório, tal qual no confessionário, só diz respeito a paciente e médico, fiel e padre. O pior é o limite. Deus, nessa hora, é fundamental. Fé é tudo.


Olhando nos olhos de meu paciente, daquele ser humano que deseja parar sua dor, me vejo no dilema de resolver ou não. Me vêm à mente todos os estudos, as palavras de meus mestres, os livros, as experiências de vida e profissão. Escuto, divago, planejo, crio estratégias, determino e me responsabilizo. Mas, seu Antõe, Mestre Antõe, veio ali foi para me dar aula.


– Sua esposa está grávida?


– Prenhou.


– Quantos anos, seu Antõe?


– Todo ano, derno que casemo.


– Certo. Sua profissão…


– Ingenhero.


– Enge… nheiro?


– Isso, dotô! Eu trabai no ingem. Moo as cana no ingem pa dá pos boi cumê.


– Aaah, sim! Mas, quer dizer que sua esposa engravidou de novo? E vocês já têm filhos?


– Dezanove.


– É uma grande prole hein, seu Antõe?!


– E grossa, dotô. Repara!


– Nã-nã-nã nã-não! Não! Deus me livre e guarde, guarde, guarde! Agora serão vinte, né seu Antõe?


– Pois num é dotô?! Em pleno 2020! Será que isso vai dar certo, dotô?


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Francisco Braga