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Organizações criminosas ou terroristas?

Nos últimos dias, com razão, muito tem se falado no escândalo do roubo generalizado nas contas dos aposentados, através da facilitação de agentes públicos do INSS que abriam brechas para a operação dos desvios por organizações associativas e sindicais íntimas do poder. O esquema criminoso que funcionava desde 2016 foi multiplicado após a posse do novo governo. Além deste, outro esquema, de empréstimos consignados fraudulentos em cima dos proventos dos aposentados foi também facilitado, gerando prejuízos incalculáveis aos idosos. O saldo é que provavelmente algumas dezenas de bilhões de reais teriam sido subtraídas e sumido não se sabe ainda para onde, talvez para o exterior dentro de malas em aviões insuspeitos. O governo federal promete apurar, mas foge de uma CPI como o diabo da cruz. 


Do lado bonzinho, o governo tenta tranquilizar o pobre do idoso roubado afirmando que vai indenizar todo mundo, certamente com mais dinheiro do erário. É o ÃO da vez, depois do mensalão e do petrolão. Enquanto isso, no parlamento, a oposição insiste numa CPMI (mista – câmara e senado) que dificilmente ocorrerá, já que os presidentes das duas Casas se fazem de moucos e dão declarações evasivas, como se esse caso fosse trivial, sem importância. Hoje em dia, com o parlamento avassalado que temos, prioridade no Congresso quem decide é o interesse do governo.


Como se vê, “o Brasil voltou”. Mas, não é só isso. Com pouca repercussão na mídia ocupada com o tema INSS, na última semana estiveram no Brasil membros do governo americano que, por informações do próprio governo brasileiro, teriam vindo conversar sobre segurança e organizações criminosas, com a possibilidade de que os EUA designem, pelo menos as duas maiores facções brasileiras – PCC e CV, como sendo organizações terroristas.


Opa! Gritaram os membros do governo. Isso não! Segundo a interpretação do nosso governo, as duas grandes organizações criminosas não são, por nossas leis, passíveis dessa designação. Tudo bem que são terríveis, que matam, assaltam, traficam, sequestram, roubam, pressionam prefeitos, ocupam câmaras de vereadores, dominam territórios e populações, comandam presídios, cobram mensalidades por proteção etc., etc., etc., mas “não são terroristas”. Isto porque o artigo 2º da Lei nº 13.260/2016 estabelece que terrorismo consiste na prática, por um ou mais indivíduos, de uma série de atos delituosos, porém, movidos pela intencionalidade de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião. No critério atual, é mais fácil a velhinha com artrite ou a moça do batom do 08 de janeiro ser considerada terrorista do que o Marcola e seu exército.


Ocorre que para quem vai designar, vale a lei de quem aplica a sanção e não do país que sedia a organização terrorista, ou seja, se couber no quadrado técnico jurídico da Lei americana, elas serão designadas, e isso tem consequências. O que diz a Lei americana?


Em uma vista ligeira, pode-se dizer os EUA poderão considerar organização terrorista internacional, aquela cujos atos tenham a intenção de: intimidar ou coagir uma população civil; influenciar a política governamental por intimidação ou coerção; afetar a conduta governamental por destruição em massa, assassinato ou sequestro. Tá, Valterlucio, mas e daí? Se os EUA designarem essas organizações, o que acontece? As implicações são de três tipos, como vemos a seguir;


  • Legais e Criminais – Agravamento da pena; Acusações adicionais; Perda de bens; Dificuldade em obter liberdade condicional; Cooperação premiada.
  • Financeiras e Econômicas – Sanções financeiras; Restrições comerciais; Perda de reputação e negócios: 
  • Segurança e Ordem Pública – Aumento da vigilância policial; Prioridade para investigação; Cooperação internacional.

Percebe-se que ao entrar na lista de entidade terrorista internacional, a facção tem vida bastante dificultada. Considerando-se o perfil, a gama de crimes pelos quais são responsáveis e a escalada de expansão do PCC e CV que tanto podem ser encontrados tanto na quebrada carioca quanto nos cafundós do sertão nordestino ou nos confins da floresta amazônica, não pareceria estranho ou demasiado, que os EUA tratassem essas facções com a severidade acima descrita. Pelo contrário, seria até uma forma de facilitar a cooperação internacional e o combate à criminalidade que no Brasil assume proporções inaceitáveis. Entretanto, o governo brasileiro atual resiste, como se dissesse que isto consistiria num ataque à soberania brasileira. Por quê?


Segundo a versão oficial, a discordância do governo brasileiro em designar organizações como o PCC e o CV como terroristas reside principalmente na interpretação da sua própria Lei Antiterrorismo, que exige motivações específicas (xenofobia, discriminação etc.) que o governo não identifica como o principal motor dessas facções criminosas, cujo foco principal é o lucro. 


Por trás disso, porém, há outro tipo de preocupação bem menos divulgada. Trata-se de não abrir a porta para que os EUA possam, quem sabe, talvez, no futuro, fazer o mesmo com os amigos do MST e outras organizações ditas de luta social, o que poderia prejudicar sensivelmente aquele “exército do Stédile”. Um segundo ponto, é que outras legislações americanas (Lei de Repressão ao Terrorismo e a Lei Patriota) poderiam ser utilizadas para ações extraterritoriais, o que colocaria o Brasil no alvo. Em vários casos os EUA utilizaram seu aparato de investigação e ação para achar, prender e abater terroristas internacionais com incursões em outros países.


Ainda não se tem notícia do que fará o governo Trump após a vinda de David Gamble ao Brasil. Note-se que a visita ocorre em um período de alta das facções. O Rio de Janeiro saiu totalmente do controle após anos de proteção suprema dos morros, a Bahia e o Ceará (principalmente) acusam a penetração forte dessas organizações na política, e as facções atuam livremente contra as empresas verdadeiras em campos como o de comunicação (lembremos que no Ceará cinco empresas de comunicações foram obrigadas pelas facções a cerrarem suas atividades). Vale dizer, se o objetivo é combater o crime organizado, o momento é propício para que o governo brasileiro aceite de bom grado a designação pelos EUA e a ajuda no sistema financeiro, por exemplo, para encontrar fios soltos nessas organizações. Infelizmente, os interesses políticos falam mais alto que o grito das vítimas dessas facções.


Em resumo, exibindo um nacionalismo de ocasião, o governo se opõe a que os EUA ajudem no combate às organizações criminosas com sede no Brasil. O pretexto é a “defesa da soberania”, o motivo real é proteger as organizações íntimas, mesmo que custe o avanço da criminalidade.



Valterlucio Bessa Campelo escreve às segundas-feiras no site AC24HORAS, terças, quintas e sábados no  DIÁRIO DO ACRE, quartas, sextas e domingos no ACRENEWS e, eventualmente, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor PERCIVAL PUGGINA, no VOZ DA AMAZÔNIA e em outros sites.


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