Em Rio Branco, a poucos metros do Palácio do Governo e da Prefeitura, a Rua Piauí, no bairro Papouco, guarda as ruínas de um espaço que já foi símbolo de esperança: a Escola Municipal Madre Elisa Andreoli. Fechada há mais de uma década, a instituição é o foco do curta documentário “Madre Elisa: A escola em que as mães do Papouco confiavam, vivas ou mortas”, do ac24horas, que é um complemento a esta matéria. A história da escola revela não apenas sua relevância para a formação de gerações, mas também o impacto de seu abandono em uma comunidade que clama por atenção.

Foto: Fachada da escola Madre Elisa Andreoli I Whidy Melo/ac24horas
Para os moradores do Papouco, uma das regiões mais pobres da capital acreana, a Madre Elisa era mais do que uma escola: era um refúgio, um espaço de acolhimento e transformação. Wellington Pinheiro de Andrade, pastor evangélico e líder comunitário, é um testemunho vivo disso. Órfão de mãe, assassinada pelo pai, quando ele era criança, Wellington encontrou na escola um porto seguro. “A oportunidade que eu tinha era de chegar lá e abraçar a minha professora, era onde me acalmava”, relata. A instituição, segundo ele, foi essencial para evitar que sua trajetória, marcada por passagens pelo presídio, terminasse em tragédia. Hoje, aos 36 anos, ele lamenta que as crianças atuais não tenham o mesmo amparo: “Se acontecer o mesmo com algum jovem ou criança, eles não vão ter a oportunidade que eu tive.”
Assista ao vídeo que complementa esta reportagem, mas não deixe de ler a matéria:

Raimunda França, 55 anos, também carrega memórias afetivas da Madre Elisa, onde trabalhou e viu seus três filhos iniciarem sua formação. Sua mãe, uma das fundadoras da escola, foi merendeira no local. “Aqui eles merendavam, estudavam. Essa escola tem uma muito boa lembrança”, diz Raimunda, orgulhosa de ver seus filhos formados em radiologia, matemática e ciências contábeis. Para ela, a escola oferecia não apenas educação, mas um ambiente seguro que moldava o caráter e abria portas para um futuro melhor.

Foto: Raimunda França I Whidy Melo/ac24horas
Jamila Batista, ex-aluna da Madre Elisa, destaca o papel da escola como espaço de convivência e cultura. “Eu passava o dia todinho aqui. Participei de teatro, grupo de dança. Era um ambiente que a gente se sentia em paz”, lembra. A escola promovia eventos comunitários, como apresentações na praça, que integravam os moradores e fortaleciam os laços no bairro. Seu fechamento deixou um vazio não apenas educacional, mas também social.
O sonho das mães: um espaço para trabalhar e educar

Foto: Crianças brincam na rua, em frente à escola abandonada I Whidy Melo/ac24horas
Para as mães do Papouco, a Madre Elisa representava liberdade e segurança. Com os filhos na escola, elas tinham a chance de buscar trabalho, sustentar suas famílias e construir uma vida melhor. Raimunda aponta que a ausência de espaços como a Madre Elisa contribui para a criminalidade, já que “muitas vezes quem não tem estudo vai para outro lado”. Ela sonha com a reabertura da escola como um presente para o Dia das Mães: “Escolheria que esse lugar fosse reconstruído para que as crianças tivessem um espaço para passar o tempo.”

Foto: Jamila Batista I Whidy Melo/ac24horas
Jamila, mãe de três filhas, sente na pele as dificuldades de criar crianças sem uma escola próxima. “Não é fácil. A gente não tem uma creche, não tem posto de saúde, nada próximo”, desabafa. Sua filha mais nova, de sete anos, é especial e estuda em outra região, o que torna a rotina ainda mais desafiadora. “Se tivesse uma escola aqui, facilitaria muito”, diz. Para ela, a escola não era apenas um lugar de aprendizado, mas uma oportunidade de ensinar valores e proteger as crianças de influências negativas. “Era uma oportunidade melhor de formação de caráter”, afirma.
Um bairro esquecido pelo poder público
O fechamento da Madre Elisa é apenas um dos sintomas do abandono que marca o Papouco. Apesar de sua localização central, o bairro carece de serviços básicos. Não há posto de saúde, assistência social ou a aplicação de políticas de direitos humanos. “É um bairro carente, necessitado, que precisa de ajuda”, reforça Wellington.

Foto: Wellington é presidente do bairro Papouco I Whidy Melo/ac24horas
A escola, hoje tomada por mato e usada por dependentes químicos, reflete o descaso. Ele lembra que a desativação, motivada por uma rachadura nas paredes na gestão do ex-prefeito Marcus Alexandre, foi seguida por promessas não cumpridas de revitalização. “A diretora entrou em depressão e faleceu. Muitos jovens foram pro mundo das drogas”, lamenta.
Jamila reforça o estigma que pesa sobre o bairro: “É mais um bairro periférico que precisa do olhar público. Está entregue aos moradores de rua”. As crianças, sem espaços de lazer ou educação, ficam expostas a realidades que comprometem sua formação. “Elas estão vendo situações que não é pra infância”, alerta.
A resposta da Secretaria Municipal de Educação
Em nota, a Secretaria Municipal de Educação explicou que a Madre Elisa foi desativada devido a problemas estruturais graves. Um laudo técnico da Secretaria de Infraestrutura de Rio Branco – SEINFRA identificou que o imóvel estava localizado em área de risco de deslizamento, o que inviabilizava sua permanência como espaço escolar.
Somado a isso, segundo a pasta, a baixa demanda por matrículas e a inviabilidade de reformas, devido à construção sobre uma tubulação de esgoto, também contribuíram para a decisão. A secretaria reconhece a alta demanda por vagas e informa que planeja construir novas salas ao lado da Creche Sagrado Coração de Maria para atender a região (veja a nota completa no fim da matéria).
A história da Madre Elisa Andreoli é um grito por atenção. Sua reabertura, tão sonhada pelas mães do Papouco, seria mais do que um presente de Dia das Mães: seria um passo para resgatar a dignidade de um bairro que, apesar de tão próximo do poder, permanece invisível.
Nota da Secretaria Municipal de Saúde:
A unidade em questão era uma escola de ensino fundamental, e não uma creche. Seu funcionamento foi encerrado devido à ausência de condições estruturais adequadas. Laudo técnico da SEINFRA identificou que o imóvel estava localizado em área de risco de deslizamento, o que inviabilizava sua permanência como espaço escolar.
Além disso, foram constatados diversos problemas na estrutura física do prédio, incluindo sua construção sobre uma tubulação de esgoto, o que tornava inviável qualquer intervenção sem a realização de uma obra de grande porte. A baixa demanda por matrículas, somada à limitação de salas de aula e à ausência de ambientes pedagógicos adequados, reforçou a necessidade de desativação da unidade.
Os estudantes foram devidamente remanejados para o Instituto São José, com suas matrículas garantidas, assegurando a continuidade do processo educacional.
A escola foi oficialmente extinta por meio de portaria. Posteriormente, considerou-se a possibilidade de cessão do imóvel à associação de moradores para fins comunitários, mas a iniciativa não foi implementada. Desde então, o espaço passou a ser utilizado, temporariamente, como depósito, diante da fragilidade da cobertura e da inutilização do prédio.
Entendemos a importância e a urgência da solicitação por vagas nas creches e escolas do município. No momento, enfrentamos uma alta demanda em toda a rede, o que tem limitado a disponibilidade imediata de novas vagas.
A Secretaria Municipal de Educação está empenhada em buscar soluções para ampliar o atendimento o mais breve possível. Como parte dessas ações, informamos que está em fase de planejamento a construção de novas salas ao lado da Creche Sagrado Coração de Maria, o que contribuirá significativamente para a redução da demanda reprimida naquela regional.
Agradecemos a compreensão de todos e seguimos à disposição para quaisquer esclarecimentos.