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O cooperativismo na Reserva Chico Mendes – o caso da COOPAEB

Por
Orlando Sabino

Iniciado na semana passada, hoje vamos continuar a análise da dinâmica de funcionamento da Cooperativa Agroextrativista de Assis, Brasil, Epitaciolândia e Brasiléia – Coopaeb, com base na entrevista do seu Presidente De Araújo, realizada  no dia 10/04/2025, no âmbito do Projeto Legal da UFAC. No artigo anterior comentamos sobre os aspectos históricos da sua criação, das questões ligadas à gestão e governança e iniciamos a abordagem sobre produção e infraestrutura. Hoje vamos abordar outras questões importantes sobre a dinâmica de funcionamento da Coopaeb.


Dificuldades para a diversificação da produção:


Como comentado no artigo anterior, muitos cooperados da Coopaeb que só trabalhavam com o extrativismo. Agora estão plantando café. Porém, devido às dificuldades de acesso, muitos ficam impossibilitados de introduzir essa diversificação. Hoje a Cooperativa entrega as mudas na sua sede (Brasiléia e Assis Brasil), porque não consegue entrar com caminhonete nas colocações. A época da entrega das mudas, ocorre em janeiro e fevereiro. Caso isso não ocorra, não se planta. Os ramais não dão condições de acessar várias das localidades no interior da Reserva. Além disso, a cooperativa é carente de infraestrutura de transportes, contando com somente uma camionete para comprar, armazenar e vender a produção.


Outra questão que o Presidente De Araújo se referiu, em relação, foi as mudanças climáticas. Segundo ele,  o planejamento da produção fica prejudicado. Explica que os produtores eram acostumados a plantar arroz, feijão, mandioca e outras culturas em datas fixas, não sofriam as consequências da falta de chuva. Hoje, os cooperados não conseguem se programar, quando não é chuva demais, é pouca chuva. 


As dificuldades para acessar aos serviços de assistência técnica e de insumos agrícolas, também é citado como dificuldades. Segundo ele,  o lema da Coopaeb é não perder produção, porque o seu objetivo é que todo investimento tem que dar retorno. E exemplifica: a  questão do café: “…se o produtor plantar um hectare de café, se ele conseguir irrigar, adubar, fazer todo o processo da maneira correta, ele consegue tirar 120 sacas de café por hectare. Se uma saca custar R$ 2 mil, então dá uma renda bruta de  R$240 mil. Mas se você pegar o mesmo hectare, se não tiver irrigação, adubo,  limpeza e assistência técnica, a renda cai para R$40 mil. Olha o prejuízo, quando você vai somar, você só paga a despesa, então tudo isso tem que ser analisado”.


A concorrência pela castanha

Na questão da disputa concorrencial com outros agentes em relação aos principais produtos comercializados pela Coopaeb, o problema mais sério, muito forte, é na comercialização da castanha, com disputa entre agentes fora da cooperativa, sejam os internos, os bolivianos e os peruanos. O que atenua, favoravelmente, a Coopaeb é o espírito cooperativista dos sócios, que preferem vender para a cooperativa. Os outros produtos; borracha, café e frutas; não enfrentam concorrência, só a cooperativa compra.


Para viabilizar a Coopaeb ainda é necessário adquirir a produção de não sócios. Conforme De Araújo, essa relação está em 50%, principalmente na castanha. Explica que quando você compra de um não cooperado, incide uma tributação sobre o valor da compra. Esse valor do tributo é um custo, não entra para o cálculo das sobras para a cooperativa.


A saúde financeira

Quanto à saúde financeira da Coopaeb, De Araújo afirma que, desde 2021, depois das mudanças estatutárias, consegue sanar todas as despesas e ter um pequeno lucro, as chamadas sobras. O destino das sobras, decididas em Assembleias,  nos últimos três anos, foi para novos investimentos na cooperativa.


Outra questão importante na gestão de uma cooperativa é a existência de capital de giro, responsável por financiar todo o processo de compra da produção. No ano passado, ela conseguiu trabalhar sem pegar empréstimo. Esse ano, devido ao alto preço da castanha, o  capital de giro não foi suficiente, devido ao aumento substancial no preço pago aos produtores de castanha: “o  planejamento seria de comprar 60 mil latas de castanha. Compramos pouco mais de 20 mil, mas o dinheiro que nós tínhamos para comprar as 60 mil, nós não comprávamos nem 10 mil. No planejamento, a média seria de R$ 75 reais por lata, tivemos que pagar 180 reais”, conta o Presidente. O capital de giro adicional foi financiado pela central, a Cooperacre.


O apoio do setor público

Quando perguntado se a cooperativa recebe apoio de órgãos governamentais, associações e ONGs a reposta foi a seguinte. Sim, temos tido grandes parcerias, as principais são com: OCB, GIZ, SEBRAE e  EMBRAPA. As prefeituras, muito pouco, mas é parceira. Pelo tamanho da responsabilidade que temos, o município tem feito pouco, mas a gente tem como parceira.  O governo do estado também não tem ajudado com muita coisa, estamos sempre esquecidos.


O Presidente diz que a agricultura do Acre tem sofrido um esquecimento. Exemplifica a SEAGRI está em todos os 22 municípios. Antes tinha estrutura, hoje não tem um caminhão, não tem um quadriciclo, não tem um técnico, não tem muita coisa. Hoje nós estamos recebendo muito mais benefício pelo governo federal, do que do próprio governo do estado. 


Sustentabilidade econômica e ambiental

Quando perguntado se os cooperados entendem da importância da cooperativa para alcançar um dos objetivos da RESEX, buscar a sua viabilidade econômica com a preservação da floresta, o Presidente respondeu não ter dúvida nenhuma.


Explica que a prova é que a primeira coisa que fizeram, com a mudança estatutária, foi mudar o nome da cooperativa. O nome agropecuária estava errado. Mudamos para agroextrativista. Entendem que hoje, quem dá sustentabilidade à nossa cooperativa são os nossos produtos extrativistas. Ninguém tem dúvida com relação a isso. No entanto, reconhecem a necessidade da diversificação da produção (a produção do gado, do frango, do porco, do café, etc.). Mas todos têm certeza de que a questão ambiental é fundamental para a sobrevivência da cooperativa.


Quando questionado se os cooperando tem noção que estão dentro de uma a Reserva Extrativista, o Presidente respondeu que existe. “…uns 50% têm essa visão e cobra muito. Porém, o poder público, seja municipal, federal ou estadual, não tratou a Resex no nível que deveria ser tratada, foi abandonada pelo poder público. Hoje, o que garante as condições de vida daquelas pessoas é o cooperativismo que compra a produção deles. Se fosse pelas políticas públicas que deveriam chegar lá, eu diria que estava bem pior.”


A esperança na juventude

Para o presidente, um dos maiores desafios que têm pela frente é fazer com que a juventude venha a se envolver e  compreender qual é o papel do cooperativismo. Seja no café, na borracha, na castanha ou nas frutas. Na nossa concepção, é o mais difícil de ser superado. Citou outros desafios, como: ampliar o armazenamento, a assistência técnica e todos os outros instrumentos de apoio ao campo. 


Minhas conclusões:


Em abril de 2023, escrevi nesse mesmo espaço, um artigo intitulado Resex Chico Mendes é a área protegida mais pressionada pelo desmatamento na Amazônia. Comentava no artigo que a crítica mais frequente que se fazia e se faz às Resex, desde o ano da sua criação, em 1990, era a de que o extrativismo estava superado e que não existia viabilidade econômica para a atividade extrativa.


No artigo de hoje e em outros que pretendemos estudar, estamos vendo um novo momento na realidade da Resex Chico Mendes. A Cooperacre como uma Central, junto com as chamadas Cooperativas Singulares, como é o caso da Coopaeb, está mudando o cenário de abandono e descaso do Poder Público para com aquela reserva legal, criada pelo Estado brasileiro. Na lúcida entrevista prestada pelo Presidente De Araújo vemos desafios, mas também, vemos esperança e mudanças positivas, apoiadas pela força do cooperativismo.



Orlando Sabino escreve às quintas-feiras no ac24horas


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