Referência durante o combate à Covid-19 no Acre e especialista em hepatologia, o médico infectologista Thor Dantas usou as redes sociais nesta quarta-feira, 23, para se posicionar publicamente contra a proposta de criação de um exame da ordem para os médicos recém-formados, nos moldes do que já ocorre com a advocacia.
Em vídeo, o infectologista fez uma análise detalhada do tema e defendeu que a responsabilidade pela má formação de profissionais deve recair sobre as instituições de ensino superior. Com mais de duas décadas de experiência no ensino da medicina, o infectologista lembra seu histórico profissional. “Sou professor doutor da Universidade Federal, ex-coordenador de curso, membro de colegiado de curso, NDE, frequentando o congresso de educação médica há décadas. É um tema do qual sou relativamente íntimo”, relatou.
Segundo o médico, a abertura desenfreada de novos cursos de medicina, especialmente na rede privada, tem ocorrido de forma desregulada e voltada ao lucro. “A gente está vivendo uma expansão gigantesca do número de novos cursos de medicina no país, e é um mercado extremamente lucrativo por trás das escolas particulares, muito, mas muito lucrativo mesmo”, pontuou. .
O problema, de acordo com ele, é que essa expansão não tem sido acompanhada por critérios de qualidade. “A formação médica é longa, complexa e altamente dependente de profissionais muito dedicados ao treinamento em campos de prática qualificados. Essas são condições difíceis de serem conseguidas e esse é um dos maiores gargalos dos novos cursos de medicina”, ressaltou.
Thor Dantas não mede palavras ao apontar as consequências dessa realidade no âmbito da sociedade.“Médicos mal formados, eles são muito ruins para a sociedade. Tanto para o cuidado individual de quem precisa deles, obviamente, ser cuidado por um médico ruim, mas também para o sistema de saúde como um todo, tanto público quanto privado”, observou.
O infectologista argumenta que médicos desqualificados sobrecarregam a rede, aumentam os custos e prejudicam a eficácia do atendimento: “Solicitam enormes listas de exames sem critério, não sabem interpretar, não usam de julgamento crítico, não solucionam os problemas”, salientou.
Sobre a proposta de um exame obrigatório para o exercício da medicina após a graduação, o médico avalia que ela não ataca o verdadeiro problema. “Os resultados esperados não vão atender ao que a gente precisa. Uma avaliação como essa, na prática, vai fomentar uma indústria de cursinhos preparatórios para essa prova. Vai estimular que um aluno abandone o internato, que é o momento mais importante da formação médica, em troca desses famigerados cursinhos”, destacou.
O médico também destaca que o exame não responsabiliza as instituições de ensino. “Esse exame também tem o sério erro de não responsabilizar as escolas ruins, o que é gravíssimo. Lembrando que, ao contrário do formando em direito, que tem um mercado de trabalho amplo mesmo sem aprovação no exame da ordem, o egresso de medicina só vai conseguir trabalhar atendendo clandestinamente. Essa vai ser uma consequência clara”, diz.
Como alternativa, Thor Dantas defende a avaliação contínua ao longo da graduação, com critérios que envolvam aspectos cognitivos, psicomotores e atitudinais, e com responsabilização institucional. “O aluno só pode sair da faculdade com o diploma se a escola resolver as suas fragilidades na formação. E as escolas que não alcançam a solução devem ser penalizadas com o fechamento das vagas”, defendeu.
Para ele, o exame da ‘ordem’ para os médicos seria apenas um paliativo. “O exame da ordem se assemelha mais a um atestado de incompetência e de desistência. Já que a gente não conseguiu resolver o problema na sua origem, vamos criar uma solução paliativa que vai penalizar apenas o egresso e não a escola ruim”, pontuou.
Apesar das críticas, Thor reconhece um aspecto positivo no debate em relação à qualidade dos novos médicos. “O único ponto positivo desse debate é trazer à luz um grave problema de interesse da sociedade que já se arrasta há anos. Precisamos pressionar o poder público para que ele exerça o seu papel fiscalizador e regulador desse mercado gigantesco. Precisamos ouvir as sociedades científicas dedicadas ao tema da educação médica e construir uma solução que seja efetiva e sustentável. Problemas complexos não se solucionam com medidas simples e apressadas como o exame da ordem se propõe. A gente precisa ir a fundo no problema pela qualidade da saúde do nosso país”, encerrou.