O pioneiro da neurocirurgia no Acre: A trajetória de Carlos Emilio Mantilla

Por
Whidy Melo

No coração da Amazônia, onde os desafios da medicina muitas vezes se entrelaçam com a falta de recursos, um médico transformou a história da saúde no Acre. Carlos Emilio Mantilla, neurocirurgião com mais de 44 anos de dedicação ao estado, é uma lenda viva que carrega em sua trajetória o peso de milhares de vidas salvas e um legado que inspira gerações. Em entrevista exclusiva ao programa Médico 24 Horas, do ac24horas, exibido nesta segunda-feira (21), Dr. Carlos compartilhou sua jornada, desde os primeiros passos na medicina até se tornar o “pai da neurocirurgia” no Acre.


Uma jornada que começou em 1971


Natural de La Paz, Bolívia, Carlos Emilio chegou ao Brasil ainda jovem, movido pelo sonho de estudar medicina. Em 1971, ingressou na faculdade de medicina em Curitiba, onde se formou em 1976. Após seis anos de graduação, dedicou mais cinco anos à residência em neurocirurgia, concluída em 1981.


Sua chegada ao Acre, em 1981, foi marcada por um convite inesperado. Enquanto trabalhava em Aquidauana, Mato Grosso do Sul, Carlos conheceu Armando Salvatierra, pediatra e figura influente na saúde acreana à época. “Ele me viu lá, me convidou para vir ao Acre, e eu vim”, lembra. A viagem, feita de ônibus até Cuiabá e depois de avião pela extinta VASP, trouxe Carlos, sua esposa, dois filhos pequenos e uma mala cheia de esperança — e de instrumentos cirúrgicos.


Desafios e pioneirismo no Acre


Ao desembarcar em Rio Branco, Carlos encontrou um cenário desafiador: não havia serviço de neurocirurgia no estado. “Quando cheguei, não tinha nenhum neurocirurgião. Não existia o serviço”, relata. No Hospital de Base, então chamado Osvaldo Cruz, ele começou a trabalhar no segundo dia, enfrentando emergências como afundamentos de crânio e infecções cerebrais. Sem materiais adequados, usava o que trouxe na bagagem e improvisava. “Eu tinha que dar um jeito. Era emergência, não tinha como esperar”, diz.


Os primeiros anos foram de solidão profissional. Carlos operava sozinho, muitas vezes por 8, 10 ou até 12 horas seguidas, lidando com traumas causados por acidentes com madeira, quedas de cavalo e, mais raramente, motos e carros. A falta de exames de imagem sofisticados obrigava o médico a realizar angiografias manualmente no pronto-socorro para diagnosticar condições como AVCs hemorrágicos, tumores e aneurismas. “Fazia angiografia, olhava e decidia: operar ou transferir”, explica.


Acompanhado pela esposa, Dra. Sara, anestesista na época, Carlos enfrentava cirurgias exaustivas. Quando a fome ou a necessidade de ir ao banheiro surgiam, ele parava rapidamente, deixando o paciente aos cuidados da anestesista. “Era dois minutos, um suco, e voltava”, recorda. A satisfação de salvar vidas, no entanto, superava o cansaço. “Saía esgotado, mas com uma alegria imensa”, afirma.


A revolução da imagem e a chegada do tomógrafo


Por mais de uma década, Carlos foi o único neurocirurgião do Acre. A virada veio na década de 1990, com a chegada do Dr. Paulo Jorge, outro neurocirurgião. Juntos, eles trouxeram o primeiro tomógrafo ao estado, instalado na Santa Casa de Misericórdia por meio da clínica CEDIAC, fundada por Carlos. “Era difícil diagnosticar sem imagem. Então, eu e o Paulo fomos para São Paulo fazer treinamento em tomografia”, conta. Durante três meses, cada um, eles aprenderam a interpretar exames de crânio, coluna, abdômen e extremidades, formando também técnicos locais.


Foto: Whidy Melo

A introdução do tomógrafo marcou um salto na qualidade do diagnóstico no Acre. “Começamos a fazer tudo: crânio, coluna, abdômen. Treinamos os técnicos, e depois o estado começou a adquirir tomógrafos”, diz Carlos. A CEDIAC tornou-se referência em neurorradiologia, oferecendo serviços como ressonância magnética, eletroencefalograma e, mais recentemente, rastreamento de câncer.


Cirurgias complexas e avanços tecnológicos


Entre as cirurgias mais desafiadoras, Carlos destaca os procedimentos na fossa posterior, região próxima ao cerebelo e ao tronco cerebral. “Eram difíceis por causa dos aparelhos e materiais limitados”, explica. Com o tempo, a tecnologia transformou a neurocirurgia no Acre. Hoje, a CEDIAC planeja adquirir uma ressonância de 3 Tesla, a mais avançada da região, para diagnósticos ainda mais precisos.


Apesar dos avanços, como neuronavegadores e cirurgias robóticas, Carlos mantém a essência do pioneiro. “Hoje, a tecnologia ajuda, mas a base é a mesma: salvar vidas”, reflete. Sua clínica, um complexo de imagem, consultas, vacinas e laboratório, é a principal referência em radiologia no estado, contando com especialistas de ponta em diversas áreas, como ortopedia, pediatria e otorrinolaringologia.


Um susto e uma nova vida


Em 2024, Carlos enfrentou um momento delicado: sofreu um AVC e precisou ser internado na UTI, onde ficou entubado por três dias. Sua esposa, Neila, foi fundamental na rápida identificação do problema, garantindo atendimento imediato. “Ela me salvou. Identificou na hora e chamou a ambulância”, conta, emocionado.


Após meses de recuperação, Carlos voltou ao trabalho, mais saudável e ativo, adotando um estilo de vida com academia e cuidados com a alimentação. “Neila me colocou no eixo. Estou mais feliz, me sinto um garoto”, brinca.


Legado e gratidão


Com quatro filhos — três médicos e uma futura médica —, Carlos é reverenciado como o pai da neurocirurgia no Acre. “Ver pacientes que operei, colegas, até políticos me cumprimentando, é uma satisfação que enaltece minha alma”, diz. Sua clínica, a CEDIAC, também se destaca na área de vacinas, uma iniciativa impulsionada por Neila, que trouxe inovação e acessibilidade à saúde preventiva no estado.


Ao olhar para trás, Carlos não esconde a emoção: “Valeu a pena. Fiz a diferença, e vou continuar fazendo”. Sua história, marcada por coragem, pioneirismo e dedicação, é um exemplo para as futuras gerações de médicos e um orgulho para o povo acreano.


Veja a entrevista completa:


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Whidy Melo