História de Trancoso

Por
Francisco Braga

Havia ali, no Mercado dos Colonos, dois muares iguaizinhos, mesma idade, bem bonitinhos. A sutil diferença entre os dois é que um era branco, o outro preto.


Sentado num tamborete, encostado na estaca onde os animais foram amarrados, Kid Margarido  fumava um cigarro Arizona, sem filtro e lia um bolsilivro em quadrinhos do Tex. Ao seu lado, um franzino capataz, de apelido Jonny Boy (em alusão ao famoso cowboy do cinema, John Wayne), trajando camiseta preta e surrada calça Faroeste, escorado de costas, equilibrando a carcaça com uma das botas também na mesma estaca, João (seu nome de batismo, praticamente católico) descascava a canivete um pedaço de fumo de rolo.


Com um olhar tenebroso e sombrio sob a aba de seu boné do Vasco, amedrontava qualquer vivente, enquanto levava à boca pedaços do fumo. Dava golpadas amarronzadas daquilo que mascava. As cusparadas levantavam a poeira ao tocar no chão escaldante daquela manhã amazônica legal.


Após uma forte rajada de vento quente lentamente dissipar-se, uma bola de feno passar malemolente entre eles e o assustador uivo de um coiote ao longe, surge a silhueta viril de um tocador de harmônica, ostentando um par de punhais devidamente embainhados em cada lado de sua atlética cintura tanqueada. Ao ver a tabuleta pregada na estaca, onde se lia: “VENDO”, o curioso escritor e também pecuarista boliviano Dom Jorge (leia-se “Dom Rorre”) Navidad aproximou-se e deu início ao seguinte diálogo.


– Dia!


– Dia… (Resmungou Kid)


– Tá vendendo o burrico?


– O branco sim.


– E o preto?


– O preto também.


Houve uma pausa.


– Tá certo. E quanto quer pelo bicho?


– O branco é cem merrel.


– E o preto?


– O preto também.


Agora tirem as crianças da sala, porque a conversa toma um rumo perigosamente inesperado.


Nervoso e já agarrado aos cabos de marfim dos punhais, Dom Navidad fala mais grosso.


– Mas, que merda é essa? Porque se refere sempre a cada pergunta que faço, em primeiro lugar ao animal branco e depois ao preto? Tu é racista ou o quê, cabron?


– Calma, Dom Jorge! Acontece que o burrico branco é meu!


– E o preto é dele (Apontando para Jonny)?


– Não. O preto é meu também.


E, noutra rajada de vento quente, após dissipar-se a poeira, havia apenas um animal… esperando o final da história.


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Francisco Braga