Havia ali, no Mercado dos Colonos, dois muares iguaizinhos, mesma idade, bem bonitinhos. A sutil diferença entre os dois é que um era branco, o outro preto.
Sentado num tamborete, encostado na estaca onde os animais foram amarrados, Kid Margarido fumava um cigarro Arizona, sem filtro e lia um bolsilivro em quadrinhos do Tex. Ao seu lado, um franzino capataz, de apelido Jonny Boy (em alusão ao famoso cowboy do cinema, John Wayne), trajando camiseta preta e surrada calça Faroeste, escorado de costas, equilibrando a carcaça com uma das botas também na mesma estaca, João (seu nome de batismo, praticamente católico) descascava a canivete um pedaço de fumo de rolo.
Com um olhar tenebroso e sombrio sob a aba de seu boné do Vasco, amedrontava qualquer vivente, enquanto levava à boca pedaços do fumo. Dava golpadas amarronzadas daquilo que mascava. As cusparadas levantavam a poeira ao tocar no chão escaldante daquela manhã amazônica legal.
Após uma forte rajada de vento quente lentamente dissipar-se, uma bola de feno passar malemolente entre eles e o assustador uivo de um coiote ao longe, surge a silhueta viril de um tocador de harmônica, ostentando um par de punhais devidamente embainhados em cada lado de sua atlética cintura tanqueada. Ao ver a tabuleta pregada na estaca, onde se lia: “VENDO”, o curioso escritor e também pecuarista boliviano Dom Jorge (leia-se “Dom Rorre”) Navidad aproximou-se e deu início ao seguinte diálogo.
– Dia!
– Dia… (Resmungou Kid)
– Tá vendendo o burrico?
– O branco sim.
– E o preto?
– O preto também.
Houve uma pausa.
– Tá certo. E quanto quer pelo bicho?
– O branco é cem merrel.
– E o preto?
– O preto também.
Agora tirem as crianças da sala, porque a conversa toma um rumo perigosamente inesperado.
Nervoso e já agarrado aos cabos de marfim dos punhais, Dom Navidad fala mais grosso.
– Mas, que merda é essa? Porque se refere sempre a cada pergunta que faço, em primeiro lugar ao animal branco e depois ao preto? Tu é racista ou o quê, cabron?
– Calma, Dom Jorge! Acontece que o burrico branco é meu!
– E o preto é dele (Apontando para Jonny)?
– Não. O preto é meu também.
E, noutra rajada de vento quente, após dissipar-se a poeira, havia apenas um animal… esperando o final da história.