Apesar de ter conseguido as assinaturas necessárias para que o presidente da Câmara Federal dispense as comissões e leve o projeto da anistia diretamente ao plenário, os parlamentares estão enfrentando seríssimas dificuldades para que o objetivo seja alcançado. É que executivo e judiciário, através de ministros que exacerbam livremente sua função, estão “em campo” ligando para os deputados e chantageando-os no sentido de que retirem a assinatura. Cargos e processos estão na mesa. De outra parte, já dão declarações de que, no caso de votação e aprovação, o STF o julgará inconstitucional. É aperto de todo lado, utilizando-se a justiça para coagir e derrotar o adversário comum. Isso tem nome, chama-se lawfare.
Se, contra o Jair Bolsonaro e à direita de modo geral, temos um lawfare feroz, a favor do lulopetismo e da esquerda verifica-se o uso estratégico da lei para prejudicar agindo de forma benevolente com ilegalidades e negligente com a apuração de crimes.
Em primeiro lugar, saibamos que a palavra lawfare combina (em inglês) duas – law (lei) e warfare que, no contexto, adquire o sentido de jornada, campanha, estratégia de guerra. Enfim, o termo se refere à utilização do sistema jurídico e das próprias leis como numa guerra política, é uma estratégia de persecução legal do adversário. Pense no que fazem com à direita no Brasil, mormente com seu principal líder, o Jair Bolsonaro. Pois é isso mesmo e podemos identificá-lo percebendo:
- Ações judiciais: Abertura de inúmeros processos judiciais apenas para com apoio da mídia “sujar” o nome do adversário e prejudicar a sua reputação. Depois, sem provas, arquivam os processos, mas, durante meses ou anos, o sujeito foi enlameado diariamente. Lembram do caso das joias? Dos móveis? Da baleia? Do cartão de vacina? Lawfare descarado.
- Manipulação da lei: Em muitos casos, o sistema é acionado para utilizar seletivamente as leis e regulamentos contra o alvo político. É o uso de leis e regulamentos de forma seletiva e tendenciosa para atingir objetivos políticos. Lembram do cartão de vacina? Nada além de fishing expedition (pesca probatória), devidamente arquivado depois de cumprir o papel de expor as ligações, contatos e conversas do aparelho celular do Coronel Cid, ex-ajudante de ordens do Bolsonaro.
- Perseguição política: Aqui o sistema jurídico é fortemente utilizado para perseguir politicamente o adversário, especialmente através da hermenêutica jurídica e de mudanças de última hora em regimentos e normas infralegais, visando abrir novas investigações. Viu algo assim recentemente no STF? Além disso, o Sistema se move para escarafunchar a vida do alvo. Como dizia Lavrentiy Beria, chefe da polícia secreta de Stálin na União Soviética, “Dê-me um homem, e eu lhe encontrarei o crime.”
- Judicialização da política: Com a ajuda do legislativo e de partidos aliados, questões essencialmente políticas são levadas aos tribunais, na busca da interpretação conveniente e da condenação do agente oposto. Essa tática vem sendo fartamente utilizada no Brasil por partidos como o Psol, REDE e PT contra seus adversários.
Quando o judiciário perde as estribeiras e toma o papel de fazedor de leis, ou seja, quando se dispõe a um ativismo fácil e encontra aliados para, na imprensa, no executivo e no próprio parlamento, suportarem o desequilíbrio entre os três poderes, com o argumento fajuto de combater a inação, ou fazer avançar a agenda da sociedade, ou mover a civilização como já disseram nossos ministros, estamos encalacrados em um lawfare clássico. É o judiciário dando passos maiores do que as pernas e adentrando ao perigoso terreno do autoritarismo.
Por outro lado, as mesmas estruturas são frequentemente usadas para facilitar a vida dos membros de um partido ou, mais extensivamente, de uma tendência política. Sendo de esquerda, o criminoso será compulsoriamente julgado pelos favores da lei. Há uma espécie de acolhimento que vai do garantismo ao engavetamento.
Sem ser jurista, penso que há razões para propor que temos no Brasil atualmente, uma novidade, um “underlawfare” que descreveria uma situação em que a lei é intencionalmente subaplicada, ignorada, ou a fiscalização é deliberadamente negligenciada para obter algum tipo de vantagem ou favorecer certos grupos ou indivíduos. Atrevo-me a propor aqui algumas características do “underlawfare”.
- Benevolência seletiva: A lei não é aplicada de modo uniforme e impessoal como é de sua natureza, mas com benevolência direcionada a certas ilegalidades ou a determinados atores. No caso brasileiro, basta ver o garantismo de ocasião que costuma sustentar certas decisões superiores. Sabe a descondenação de Lula? Pois é.
- Negligência deliberada: As autoridades responsáveis pela aplicação da lei optam por não investigar, fiscalizar ou punir certas infrações de forma intencional. Que tal dar uma olhada nas prescrições, nos arquivamentos, nos acordos de conveniência? Dezenas de casos assustariam qualquer um que buscasse a observância dos princípios da lei penal.
- Objetivos subjacentes: Assim como o “lawfare” tem objetivos políticos ou outros fins ilegítimos, o “underlawfare” serve a interesses específicos, como manter apoio político, favorecer grupos econômicos ou acobertar irregularidades. Não fosse assim, seguramente, a lavajato continuaria prendendo corruptos e milionários.
- Enfraquecimento do Estado de Direito: Ao não aplicar a lei de forma consistente, o “underlawfare” mina a credibilidade do sistema legal e enfraquece o Estado de Direito, assim como o “lawfare” o faz de outra maneira. É a situação em que nos encontramos. O Estado de Direito foi ao chão, tanto pela perseguição à direita quanto pela facilitação à esquerda e, sobre ele o Sistema prepara sua perpetuação. A sociedade não confia no Estado, apenas se subordina.
- Criação de Zonas de Impunidade: A negligência sistemática na aplicação da lei em relação a certas condutas ou grupos pode criar verdadeiras zonas de impunidade, onde atividades ilegais podem prosperar sem o devido controle ou sanção. O caso típico é o dos acordos entre governantes e chefes do tráfico nas grandes cidades brasileiras.
- Manipulação da Ordem Pública: Em alguns casos, a não aplicação da lei em certas áreas pode ser utilizada estrategicamente para manter uma determinada ordem pública, ainda que essa ordem seja baseada na tolerância de ilegalidades. Isso pode ocorrer, por exemplo, em relação a certos tipos de criminalidade em áreas marginalizadas. Lembrou o caso da proibição de ação policial nos morros do Rio de Janeiro?
- Dificuldade de Mensuração e Combate: Ao contrário do “lawfare”, que se manifesta por meio de ações legais visíveis, o “underlawfare” é mais difícil de identificar e combater, pois se caracteriza por omissões e negligências que podem ser justificadas de diversas maneiras ou simplesmente ignoradas. Além disso, os que deveriam punir são os principais responsáveis.
Pode-se dizer, então, que, enquanto o “lawfare” usa a lei como uma arma ofensiva, o “underlawfare” usa a não aplicação da lei como uma forma de proteção ou favorecimento estratégico. O Sistema atua como um leão contra a direita e mia como um gatinho contra a esquerda. Ambos distorcem o propósito fundamental do sistema legal. A vítima maior é a democracia, conspurcada por uma danação jurídica que se soltou de seu propósito constitucional.
Valterlucio Bessa Campelo escreve às segundas-feiras no site AC24HORAS, terças, quintas e sábados no DIÁRIO DO ACRE, quartas, sextas e domingos no ACRENEWS e, eventualmente, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor PERCIVAL PUGGINA, no VOZ DA AMAZÔNIA e em outros sites.