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Anistia para um jovem em um dia de fúria!

Por
Astério Moreira

Ela embarca na jornada acadêmica da medicina, um feito que se torna possível graças ao esforço coletivo; como se cada membro da família estivesse igualmente matriculado na mesma disciplina, tal é o envolvimento de todos no processo.


Suas notas, quase que místicas, são um prazer para os olhos – tanto pela beleza quanto pela admiração. Se alinha perfeitamente ao seu comprometimento e sacrifício, refletindo um equilíbrio simétrico. Como ecoa na canção de Alda Célia: ” “Sempre haverá a dor antes da glória/ lembre-se: Jesus já triunfou/ para escrever uma nova história…


Em momentos de euforia após uma aula, ela chega em casa, abraçando e beijando todos. Anseia que seus avós possam absorver, em breves cinco minutos, o conhecimento complexo da medicina que ela demorou quatro intensas horas para assimilar.


No entanto, nem todos os dias são banhados em luz e aprendizado. Existem aqueles dias sombrios, dias de fúria. Lembra o filme “Um Dia de Fúria”, estrelado por Robert Redford.


O conteúdo de um curso de medicina é intrincado e desafiador, e desvendar seus mistérios pode ser uma jornada árdua e exaustiva.


Por vezes, ela chega em um estado de melancolia profunda, parecendo estar envolta em um manto de tristeza e amargura. A insatisfação é límpida em seu semblante, como se a injustiça do mundo pesasse em seus ombros juvenis.


Lágrimas fluem de seus olhos como duas fontes, vertendo a tristeza de seu coração que percorre seu rosto em pequenas cascatas. Essa visão provoca em nós, que a observamos, um sentimento de compaixão avassaladora. Ainda assim, nos encontramos envolvidos em um mistério, questionando-nos qual seria a razão de sua tristeza, revolta e choro.


Há momentos em que um abraço, aconchego, beijos e palavras de carinho aliviam a pressão. Mas, em outros não. É preciso respeitar sua dor, seu choro e o seu silêncio. Entra no quarto, deita-se na cama e chora muito – bem-aventurados os que choram porque serão consolados.


Nada a dizer, nenhuma canção de ninar. É preciso deixar que ela aproveite o momento da cura. A solidão na medida certa traz cura. Deus, o quarto, a cama e ela molhando o travesseiro de lágrimas.


Os motivos para tanta confusão e tragédia são os mais bobos do mundo- para os de fora do seu universo. Tem a ver com o tempo presente, redes sociais, existência, família e o curso estressante, mas ela é jovem e, por certo, há de aguentar e sobreviver.


A crise dela é como um grão de areia para os outros, que vivem no mundo de soberba e arrogância, mas para ela uma montanha bem grande.


É preciso descer do pedestal e do altar de “no meu tempo era assim” e compreender as angústias dos jovens desse tempo. Eles usam lentes para enxergar a realidade diferente das nossas. No mínimo precisam saber que não estão sozinhos nesta selva em um dia de fúria.


Cometemos o crime de não compreender suas revoltas, desabafos e medos para salvá-los de nós mesmos que fomos jovens, mas tudo mudou porque fizemos muitas merdas e esquecemos (vez por outra ainda fazemos).


Nós buscamos o perdão por nossas falhas e delitos, contudo, somos rápidos em emitir condenações por palavras e gestos em um dia de ira, um dia de fúria de uma jovem em um momento de fraqueza.


Melhor ter manchetes de jornais criticando uma jovem pelas bobagens que falou do que o silêncio ensurdecedor de que muitos deles estão ceifando a própria vida.


Por isso cuidado meu bem/ Há perigo na esquina/ Eles venceram/ E o sinal está fechado prá nós/ Que somos jovens… (Belchior)


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Astério Moreira