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Centro POP: a transferência, os chifres e a sopa

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Editorial ac24horas

Durante a semana que passou, o quadro ac24horascplay, conduzido pelo repórter Whidy Melo, conversou com duas pessoas em situação de rua em frente ao Centro POP. O que motivou a conversa foi a mudança (já anunciada pela Prefeitura de Rio Branco) da sede da unidade de assistência para outro lugar da cidade, longe do Centro.
Uma das personagens demonstrou ter senso crítico mais apurado do que muitos gestores públicos. Quando respondeu à pergunta sobre o que ele avaliava da possível mudança, o morador em situação de rua foi taxativo: “Burrice”. O raciocínio dele transitou pela lógica de que, para manter o vício, ele vai roubar em todo lugar, em qualquer lugar. Com um agravante: a rotina de pequenos furtos e até mesmo roubos não é bem aceita por integrantes das facções criminosas nos bairros.


Isso significa que a transferência do Centro POP para os bairros vai forçar muitos deles a voltarem para o Centro. Porque esses furtos de moradores não são muito tolerados pelos integrantes de facções. Inclusive, a personagem entrevistada pelo repórter disse já ter sido vítima de “duas disciplinas” das facções.


E se o local escolhido for o bairro Castelo Branco, como está sendo pleiteado, tanto pior: vai causar turbulência àquela comunidade e, por ser próximo ao Centro, a marmita ou o pão com café serão recebidos como sempre. E a digestão será feita nas mediações da Rádio Difusora e na Praça dos Tocos, como de uns tempos pra cá.


Outro detalhe que o morador em situação de rua fala ao repórter: “Aqui só nos entregam café e comida. Ninguém é porco”. Uma pessoa apressada em resolver os problemas na base do coturno e na pedagogia do cacetete escuta uma fala dessas e abarca sem dó: “Mas um vagabundo desses, drogado, tá recebendo comida de graça e ainda está reclamando!? Vai trabalhar, vagabundo!”. É uma reação muito comum, mas também compreensível.


Na argumentação do morador de rua, a fala é dita no contexto daquilo que o Centro POP não faz. E, caso faça, evidentemente precisa rever os métodos porque estão gritantemente falhos. E o que o Centro POP não faz?


A unidade de assistência, na prática, se transformou em um lugar onde se distribui comida à população de rua. A Assistência Social, no rigor que o conceito exige, está longe dali. E o morador em situação de rua está gritando isso para todos ouvirem, mas ninguém escuta.


O secretário de Assistência Social e Direitos Humanos de Rio Branco, João Luz, tem muita dificuldade de entender a complexidade da crise humanitária escancarada. “Ou a gente enfrenta o problema juntos, ou ficaremos reféns dos malefícios que levaram nossos irmãos para as ruas”. A frase em si não é errada. Ao contrário. É correta, embora limitada. O problema é que o acerto da fala não dialoga com equívoco da transferência do Centro POP como uma solução.


Pode transferir o Centro POP para o Castelo Branco; para o Taquari; para as imediações da Chácara Ipê, para o Morada do Sol, para qualquer lugar. A transferência não busca resolver o problema naquilo que ele tem de essencial, de radical.


Há pouco mais de dois anos, uma mulher em situação de rua pariu uma criança na calçada da Maternidade Bárbara Heliodora. A cena chocou a todos. Doente, sugerindo algum grau de esquizofrenia, a mulher olhava para a criança como um bicho estranho que acabara de lhe sair das entranhas. O Conselho Tutelar interveio, o MP também. Tudo funcionou e a criança foi acolhida, com saúde, em uma família. Uma parte do sistema funcionou.


O exemplo é lembrado para que se perceba que não é o Centro de Rio Branco que está doente. A “doença” é de estrutura. A população em situação de rua tem cor (geralmente é de cor preta). Há, portanto, um componente racial envolvido; a população em situação de rua não tem renda. Há portanto um componente de classe social que precisa ser observado e trabalhado. Mas a qualidade da representação política é rasa. Tem dificuldade de perceber isso. Outro dia, um vereador menor relacionou a população em situação de rua com “chifre”. Achou que estava fazendo um gracejo quando, de fato, ruminou preconceitos, ignorância e intolerância.


Quem melhor tem diagnóstico sobre o tamanho do problema é o Ministério Público com números que, obviamente, precisam sempre ser atualizados. O Centro POP não é a mosca na sopa. Não há mais sopa. Alguns demoram mais a perceber.


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