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Brasil não consegue garantias de Trump e já teme tarifaço

Por
UOL

O governo brasileiro não conseguiu, até o momento, convencer os EUA a retirar o país da lista das economias que serão alvo de tarifas extras a partir de quarta-feira. Neste domingo, o presidente norte-americano, Donald Trump, sugeriu que começaria a adotar as medidas protecionistas contra “todos os países”, contradizendo seus próprios assessores que, ao longo da semana, sugeriram que colocariam foco sobre 15 parceiros responsáveis por grande parte do déficit comercial dos EUA.


“Começaríamos (a aplicar as tarifas) a todos os países”, disse Trump. “Essencialmente todos os países com os quais estamos conversando”, afirmou.


O UOL apurou que, apesar de todos os esforços, o Brasil não recebeu garantia alguma por parte da administração de Donald Trump de que o país será poupado. Outros países estão exatamente na mesma situação, deixando diplomatas, negociadores e mercados em um clima de tensão.


Nos últimos dias, o Itamaraty liderou uma missão para Washington DC, na esperança de seduzir a Casa Branca a não incluir o país no tarifaço. Diplomatas admitiram ao UOL que a delegação voltou sem um acordo e o próprio alto escalão do governo já considera que as tarifas podem ser inevitáveis.


Na surdina, a missão negociou concessões e indicou áreas que poderiam aceitar uma abertura. Com a condição de que houvesse um gesto por parte dos EUA.


Uma semana antes, foi a vez do setor privado realizar uma visita para a capital americana na esperança de entender de que maneiras as tarifas seriam adotadas. A delegação de empresários também voltou sem um acordo.


Não se descarta um encontro entre hoje e amanhã envolvendo o próprio chanceler Mauro Vieira a cúpula do governo Trump. Seria o “encontro da última chance”, na esperança de ver alguma isenção para os produtos brasileiros. Mas tanto no Itamaraty como no setor privado, assim como no Ministério do Desenvolvimento, já se trabalham com a perspectiva de o Brasil ser atingido pelas tarifas.


Trump vem anunciado que o dia 2 de abril será o “dia da libertação”, numa referência à criação de uma nova política comercial que irá adotar os princípios da reciprocidade. Ou seja, se um país cobra tarifas de bens americanos, a Casa Branca adotará a mesma postura contra as exportações daquela nação.


Há, porém, um clima de caos e incerteza em Washington, com membros do governo e do próprio setor produtivo americano denunciando Trump por criar instabilidade. Relatos da Casa Branca ainda apontam para mudanças repentinas por parte do presidente sobre a direção que a nova política deveria tomar. Na semana passada, ele chegou a dizer que seria “muito justo” com seus parceiros comerciais. “As pessoas vão ficar surpresas positivamente”, disse. Mas, nas negociações, vem deixando delegações estrangeiras sem qualquer parâmetro do que pode ainda ocorrer.


Os “15 sujos”: a lista de Trump


A grande meta do governo é a de reduzir o déficit comercial, que chega a US$ 1,2 trilhão. Para isso, um dos caminhos é o de colocar tarifas sobre aquelas economias que seriam as maiores responsáveis pelo buraco nas contas.


Três princípios estariam sendo considerados:


Déficits comerciais: atingir países que respondem por uma parcela significativa do déficit comercial de US$ 1,2 trilhão dos EUA.


Tarifas altas sobre produtos americanos: atingir países que impõem taxas aos produtos americanos que excedem as aplicadas pelos EUA.


Barreiras não tarifárias: punir países que criam barreiras não tarifárias, como regulações e mesmo padrões sanitários, além de manipulação de moeda, práticas trabalhistas ou sistemas tributários que distorcem a dinâmica do comércio.


Os países candidatos da lista “suja”


Com base nas contas de 2024, esses seriam os 15 países mais propensos a serem taxados, ainda que a Casa Branca jamais tenha confirmado que a lista será baseada apenas nestes critérios:


• China: maior déficit comercial de mercadorias dos EUA, totalizando US$ 295,4 bilhões
• União Europeia: déficit americano de US$ 235,6 bilhões
• México: déficit de US$ 171,8 bilhões
• Vietnã: déficit de US$ 123,5 bilhões
• Taiwan: déficit de US$ 73,9 bilhões
• Japão: déficit de US$ 68,5 bilhões
• Canadá: déficit de US$ 63,3 bilhões
• Coreia do Sul: déficit de US$ 66,0 bilhões
• Índia: déficit de US$ 45,7 bilhões
• Tailândia: déficit de US$ 45,6 bilhões
• Suíça: déficit de US$ 38,5 bilhões
• Malásia: déficit de US$ 24,8 bilhões
• Austrália: déficit de US$ 17,9 bilhões
• Indonésia: déficit de US$ 17,9 bilhões
• Grã-Bretanha: déficit comercial de US$ 11,9 bilhões


Argumentos do Brasil


Nas últimas semanas, o Brasil se apressou para tentar negociar um acordo com Trump, colocando o vice-presidente Geraldo Alckmin nas tratativas. O argumento do Brasil foi de que são os americanos que contam com um superávit comercial e que, entre os dez produtos mais comprados pelo país, oito entram no mercado nacional livres de tarifas.


Mas o governo dos EUA apresentou suas alegações. A primeira é de que o etanol americano recebe uma tarifa de 18% e que, portanto, isso seria considerado como um tratamento injusto. Trump tem um interesse em abrir o mercado brasileiro, já que favoreceria os exportadores de etanol de milho de estados que deram seu apoio ao republicano na eleição.


O outro argumento dos americanos é de que o Brasil seria uma plataforma para a reexportação de bens chineses para o mercado dos EUA, principalmente no setor siderúrgico. Tanto o governo brasileiro como o setor privado negam que essa triangulação esteja ocorrendo.


Promessa de Lula de recorrer à OMC é considerada como “simbólica”


Entre os negociadores brasileiros, a ideia de levar a disputa para a OMC não é considerada sequer como uma resposta real à crise que pode ser instalada. Apesar de a iniciativa de recorrer à entidade ter sido anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, diplomatas admitem que dificilmente Trump teria qualquer temor em relação ao órgão internacional.


Hoje, a OMC está paralisada diante da inexistência de seu tribunal máximo do comércio, desmontado por Trump em seu primeiro mandato. Na prática, o Brasil poderia até vencer a disputa numa primeira instância. Mas, sem um veredito final, o governo americano poderia simplesmente ignorar qualquer decisão.


O outro problema é a demora que um caso na OMC poderia levar. Nada seria definitivo antes de dois anos de processo, o que já causaria um dano profundo para as exportações brasileiras.


Apesar disso, recorrer à OMC mandaria um recado por parte do Brasil de que disputas comerciais não devem ser resolvidas pela lei do mais forte. Mas por regras multilaterais.


A opção pela OMC também foi adotada pelo Canadá, que já abriu um caso contra Trump na semana passada no organismo em Genebra.


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