Iceberg A23a à deriva no oceano Antártico após se soltar da plataforma de gelo Larsen I Imagem: Getty Images via BBC
O ano de 2024 escancarou a intensidade da crise climática induzida pela atividade humana, com indicadores atingindo patamares inéditos e consequências que poderão ser sentidas por séculos. É o que revela o mais recente relatório da OMM (Organização Meteorológica Mundial, a agência climática da ONU), divulgado hoje, que também destaca os severos impactos econômicos e sociais decorrentes de eventos climáticos extremos.
O nosso planeta está emitindo mais sinais de alerta – mas este relatório mostra que limitar o aumento da temperatura global a 1,5 ºC ainda é possível. Os líderes precisam agir para que isso aconteça, aproveitando os benefícios das energias renováveis limpas e baratas para seus povos e economias – com novos planos climáticos nacionais previstos para este ano.
António Guterres, secretário-geral da ONU
O que aconteceu?
2024, o ano mais quente registrado. O relatório “Estado do Clima Global” da OMM confirma que 2024 foi, provavelmente, o primeiro ano calendário a ultrapassar a marca de 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais, registrando uma temperatura média global próxima à superfície de 1,55 (com margem de erro de mais ou menos 0,13 °C) acima da média de 1850-1900. Foi o ano mais quente nos 175 anos de registros observacionais.
Concentração recorde de dióxido de carbono. A concentração atmosférica de dióxido de carbono, assim como a de metano e óxido nitroso, está nos níveis mais altos dos últimos 800 mil anos. Em 2023, a concentração de dióxido de carbono foi de 420 partes por milhão (ppm), 151% do nível pré-industrial (em 1750). Esse valor corresponde a 3.276 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera. Dados em tempo real de locais específicos mostram que os níveis desses gases continuaram a aumentar em 2024.
Década mais quente da história. Os últimos dez anos (2015-2024) foram, individualmente, os dez anos mais quentes já registrados. De junho de 2023 a dezembro de 2024, todos os meses superaram os recordes anteriores. O forte El Niño no início de 2024 contribuiu para o recorde, mas os gases de efeito estufa foram o principal fator.
Os últimos oito anos estabeleceram novos recordes de aquecimento oceânico. Os oceanos absorvem cerca de 90% da energia retida pelos gases de efeito estufa, e, em 2024, o aquecimento dos oceanos atingiu seu nível mais alto em 65 anos de medições. Nos últimos oito anos, o recorde foi superado sucessivamente, e o ritmo de aquecimento desde 2005 mais que dobrou em relação a períodos anteriores. Esse processo, que leva séculos para ser revertido, degrada ecossistemas, reduz a biodiversidade, intensifica tempestades e contribui para a elevação do nível do mar. A acidificação da superfície oceânica também continua a crescer, afetando a biodiversidade, com impactos na pesca e nos corais.
As partes congeladas da superfície da Terra, conhecidas como criosfera, estão derretendo em um ritmo alarmante. Nos últimos 18 anos, o Ártico registrou suas 18 menores extensões de gelo marinho, enquanto a Antártida teve suas três menores nos últimos três anos. Além disso, o período de 2022 a 2024 marcou a maior perda de massa das geleiras já registrada.
A taxa de elevação do nível do mar dobrou desde o início das medições por satélite. Em 2024, o nível médio global do mar alcançou o maior valor desde o início das medições por satélite em 1993, com a taxa de aumento entre 2015 e 2024 sendo o dobro da registrada entre 1993 e 2002, passando de 2,1 mm para 4,7 mm por ano. A elevação do nível do mar tem impactos prejudiciais em ecossistemas costeiros e infraestrutura, além de agravar inundações e contaminação da água subterrânea por sal.
Gases de efeito estufa e El Niño impulsionam recordes. O aumento recorde das temperaturas globais em 2023 e 2024 foi impulsionado pela contínua elevação das emissões de gases de efeito estufa, em combinação com a transição do evento de resfriamento La Niña para o aquecimento de El Niño. Outros fatores, como mudanças no ciclo solar, erupções vulcânicas e a diminuição de aerossóis de resfriamento, também podem ter contribuído para os picos de temperatura.
Eventos extremos com impactos devastadores. Os eventos climáticos extremos de 2024 resultaram no maior número de deslocamentos anuais desde 2008. Os ciclones tropicais foram responsáveis por muitos dos eventos de maior impacto, como o tufão Yagi no Vietnã, Filipinas e sul da China. Nos Estados Unidos, os furacões Helene e Milton causaram perdas econômicas de bilhões de dólares e mais de 200 mortes. O ciclone tropical Chido provocou vítimas e deslocou cerca de 100 mil pessoas em Moçambique.
E agora?
De acordo com a secretária-geral da OMM, Celeste Saulo, embora um único ano com aquecimento acima de 1,5 °C não indique que as metas de temperatura a longo prazo do Acordo de Paris estejam fora de alcance, “é um alerta de que estamos aumentando os riscos para nossas vidas, economias e para o planeta”.
A OMM e a comunidade global estão intensificando os esforços para fortalecer os sistemas de alerta precoce e os serviços climáticos, visando aumentar a resiliência de governos e da sociedade aos eventos extremos. No entanto, Saulo enfatizou que “apenas metade de todos os países em todo o mundo possui sistemas de alerta precoce adequados. Isso precisa mudar”.
O relatório se baseia em contribuições científicas de serviços meteorológicos e hidrológicos nacionais, centros climáticos regionais da OMM, parceiros da ONU e dezenas de especialistas.