No município de Feijó, interior do Acre, a aldeia Shane Tatxa Kaya é comandada por mulheres da etnia Shanenawa, do povo do Pássaro Azul. No local, vivem cerca de 20 famílias oriundas da Terra Indígena Katukina Kaxinawa Morada Nova e 80% são mulheres. A liderança é da cacica Edina Carlos Brandão -Pekãshaya, a vice cacica é Carla Sandra Brandão- Sãpuany e a Pajé é Samara Carlos Brandão- Mukany. Iara Cristina Brandão Vari é a assessora.
Edina, 50 anos, que é casada e tem 4 filhos, recebeu o cocar de cacica do pai, Amaral Brandão Shanenawa Tuxaua Shuayne, que tem 104 anos. “Eu fui a primeira mulher indígena do Acre a receber o cocar do pai. Antes só repassavam o cocar de cacique para o filho homem. Então, não é simplesmente fazer dieta para ser cacique, fazer dieta para ser Pajé, não. Nós nascemos com o dom, porém, dentro da população indígena, mais especificamente do povo Shanenawa, a mulher é impedida de fazer, de exercer os seus trabalhos, mas meus pais só tiveram filhas mulheres. E meu pai foi vendo o dom de cada uma e foi nos empoderando, as quatro, dentro da responsabilidade de cada uma”, conta ela, pontuando suas atribuições.
Cacica Edina Carlos Brandão -Pekãshaya
“Eu sou cacique, e meu papel é comandar, conduzir ouvindo as opiniões dos moradores da aldeia, da comunidade. Esse ano, em agosto, já vai fazer 3 anos que ele passou o cocar de Cacique para mim e de Pajé para minha irmã, Mukanyi. Eu só posso passar para uma filha um filho meu, ou para minha sobrinha que eu tenho como filha, e assim sucessivamente”, enfatiza.
A Pajé Mukany foi escolhida pelo pai pelo seu dom de cura. “Ela começou primeiro trabalho dela com a espiritualidade com a medicina tradicional com 12 anos, fazendo a cura na minha mãe. Existem dois tipos de Pajé: o espiritual, onde faz a incorporação e o da medicina, que conhece as nossas medicinas da farmácia da floresta. Mukany é pajé de dois conhecimentos, que é do conhecimento espiritual de incorporação e também da nossa medicina tradicional e do canto sagrado”, pontua.
A aldeia, que fica a apenas 10 quilômetros da cidade, recebe turistas do Brasil e de outros países. Esse etnoturismo garante também uma fonte de renda para o grupo. Elas trabalham com as medicinas da floresta como a ayahuasca e o rapé.
“Recebemos turistas. A gente fecha o pacote desde a alimentação, a hospedagem. E aí a gente faz as pajelanças. Eu tenho a medicina, de banho, de descarrego, de abertura quando chega, que vem muito, com energia negativa, e a gente faz esse tipo de trabalho. Esse trabalho que foi um dom que a gente recebeu de Deus, e pelo ensinamento do nosso pai, que em agosto vai fazer 105 anos. A gente vai trabalhar com vivência também, para arrecadar fundo, para o projeto interno da nossa aldeia, melhoramento do nosso cupixawa, construção da escola, então tudo isso a gente faz para também auto-sustentar dentro da nossa aldeia”, conta a Cacique, elencando o que a aldeia dispõe atualmente com relação à produção e à tecnologia. “A gente tem internet da Starlink, que foi uma doação, tem energia elétrica graças a Deus. Não foi fácil, mas a gente conquistou”.
Com terçados e outras ferramentas nas mãos, elas tentam garantir, na terra, parte da alimentação do grupo. “Com relação à produção a gente tá passando por um processo muito difícil, com aquecimento, com as mudanças climáticas, aquecimento de terras. Hoje a gente ainda não tem muita produção na nossa aldeia, que é a segunda que a gente cria e tá só com três anos de criação. Ela ainda é uma bebê e a gente planta. O que a gente tira pra garantir a segurança alimentar, por enquanto, da nossa aldeia é mandioca, abóbora, os legumes e as frutas. Eu fui atrás do IFAC, pra gente fazer essa troca de conhecimento entre tecnologia com o conhecimento tradicional, mas não obtive resposta. Estamos, necessitamos fazer a alimentação orgânica porque com esse tempo que a gente está vivendo hoje, mudanças climáticas, que nós somos terra e a terra pede ajuda. Hoje ela está com câncer muito forte e não está segurando, que é o fruto para garantir a nossa alimentação”, conta preocupada, mas com esperança que a força das mulheres do povo do Pássaro Azul faça a diferença na terra.
“Nós vamos resistir, vamos plantar, colher, crescer e continuar nossa história aqui na floresta. Aqui, nós mulheres indígenas, fazemos a diferença!”, concluiu Edna Shanenawa, a primeira mulher cacica do Acre.