O leitor que acompanha este espaço editorial irá lembrar que já foi defendida aqui a ideia de realocação da cidade de Brasiléia. O debate não é novo e foi alimentado até mesmo pelo Governo do Estado quando da enchente que arrasou a cidade em 2012. Quase toda a área urbana ficou debaixo d’água. Pois eis que esta semana a cidade de Brasiléia é citada no Anuário Estadual de Mudanças Climáticas.
É a primeira edição deste estudo feito pela equipe do Centro Brasil no Clima junto com o Instituto Clima e Sociedade. O lançamento do anuário contou, inclusive, com a presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. A cidade acreana foi lembrada não por causa da ministra. A questão não é essa.
Brasiléia foi lembrada porque passa a ser um símbolo de um problema brasileiro: a dificuldade de reação da sociedade frente aos problemas que os eventos climáticos extremos impõem. Brasiléia é um exemplo de como a inércia é cara aos cofres públicos e à própria comunidade, prejudicando com mais gravidade justamente os mais pobres.
Uma demonstração da inércia: de 2012 até agora, sabendo que a realocação da cidade é uma medida racional e necessária, qual ação prática foi tomada nesse sentido? Na Física, a inércia é um conceito que trata da tendência dos corpos em se manter em um determinado movimento. Pois bem, na prática, voltando ao debate ambiental da cidade do Alto Acre, nada foi feito.
Os valores de “pertencimento” ao local; as histórias; o pé de goiaba onde a avó expirou; a igreja onde o padre casou gerações da família; a escola: todas as questões subjetivas e afetivas são importantes e precisam ser levadas em conta no processo de realocação. Aí, nesse instante, há também os cientistas políticos de plantão que apressam-se em lembrar que “politicamente, isso é um delírio”. É preciso juntar tudo isso em um paneiro e avaliar.
O fato é que não é apenas o poder público que mostra-se anestesiado a promover as mudanças. A própria sociedade também. Quando as águas chegam, todos ficam impactados, choram pela perda “de tudo”, mas quando o rio apresenta vazante a memória seca junto com as paredes das casas. E tudo volta a ficar igual estava.
A diferença é que uma coisa é ter que comprar um fogão e uma geladeira em função da falta de planejamento urbano. Outra bem diferente é ter que reconstruir uma rua, refazer a rede de abastecimento de água e esgoto, reformar a escola, o posto de saúde, o teatro e tantos outros instrumentos públicos comprometidos a cada inverno. Para a comunidade, ficar parado é muito caro.
E não custa lembrar: ninguém pode ser tão irracional ao ponto de querer culpar rios e igarapés. Não são eles que invadem o espaço urbano. É justamente o contrário. Nesse aspecto, os 22 municípios do Acre têm muito a fazer. Algumas cidades são novas. Outras são, praticamente, uma vila. Estas cidades podem errar menos. Com o mínimo de planejamento e respeito à Geografia, chega-se a um entendimento.
Na Capital, foi tudo tão errado desde o começo que o que resta é manejar o prejuízo. E o pior é que o poder público e o cidadão por aqui não têm dúvida entre preservar o que deve ser preservado ou “desenvolver” em nome da geração de emprego e renda.
Um exemplo bem vivo é o que ocorre na Estrada do Calafate na rotatória com a BR-364. Uma loja de departamentos, uma cerâmica e uma igreja protestante. Três empreendimentos grandes que ameaçaram “de morte” o Igarapé Batista, que a tudo assistiu, bestificado. Machucado, apresenta a fatura a cada sereno mais forte. A mudança dos cursos d’água sempre geram problemas. Agora, é de se imaginar uma cidade inteira assim, sob essa lógica. Imaginou, leitor? Pois bem: assim é Rio Branco. Não seria exagero dizer que assim é o país inteiro.
A realocação de núcleos urbanos é apenas uma das demandas necessárias na busca pelas cidades sustentáveis. A elaboração dos Planos de Adaptação e as mudanças de concepção econômica, colocando a sustentabilidade ambiental como premissa elementar, são os principais desafios.
A criação de uma nova cultura com esse referencial é do que se necessita. O que os fatos e a história mostram é que mudar parte de uma cidade de um lugar para outro parece ser mais fácil do que mudar ideias envelhecidas. Mudanças. Travessias. São bichos perigosos. Mas alguém precisa empunhar o remo. Quem se habilita?