Na tortura, toda mente se trai

Por
Valterlucio Campelo

Tanto na ficção quanto na realidade, inúmeros casos de delação sob tortura são relatados, o que torna o tema bastante conhecido. Quem nunca ouviu falar no “pau de arara”, no saco plástico ou na toalha enxarcada como forma de infligir sofrimento físico até que a vítima “colabore”, ou seja, diga justamente aquilo que o torturador quer ouvir? Filmes e realidade de prisões aqui e alhures são pródigos em demonstrar a “eficiência” da prática. No filme “Tropa de Elite” o Capitão Nascimento nos oferece uma visão combinada – uma ficção que bem poderia ser a realidade.


Historicamente, centenas de casos foram relatados como prática comum que remontam à antiguidade. Especialmente na idade média, quando a inquisição exacerbou sua missão e, em conluio com reis e imperadores, atuou, permitiu ou se omitiu, muita gente inocente foi assassinada de modo pavoroso nos porões de castelos. De certo modo, admitamos, a população de então dava de ombros ou até aplaudia.


A política também atuou muitíssimo a partir da prisão e tortura de inimigos. Todos os regimes totalitários foram implementados e mantidos à custa da perseguição, tortura e assassinato dos seus inimigos. Sem exceção, dado que na moral revolucionária a vida do adversário não tem valor, os regimes socialistas, por exemplo, jamais titubearam em levar às últimas consequências o poder de vida e morte. Ainda hoje, apesar de todas as mudanças culturais, milhares de pessoas são presas e torturadas por discordarem do poder instaurado.


Se, felizmente, por força de tratados e acordos internacionais, o crime de tortura física é severamente execrado e, às vezes punido com graves sanções, emerge a tortura psicológica como modus operandi de ditadores que, escudados na dificuldade de prova e percepção do crime, dançam diabolicamente sobre as mentes de indiciados e testemunhas.


A tortura psicológica é uma forma de violência que, ao invés de infligir dor física, procura causar sofrimento emocional e psicológico na vítima. Ela se manifesta através de uma série de processos e procedimentos que visam minar a autoestima, a sanidade e o senso de segurança da pessoa, deixando marcas profundas e, por vezes, irreversíveis.


A tortura psicológica pode se apresentar de diversas formas, e muitas vezes as táticas se misturam e se intensificam com o tempo. As mais comuns incluem:


• Humilhação e Ridicularização: A vítima é constantemente alvo de comentários depreciativos, piadas sarcásticas e insultos, seja em público ou em privado. O objetivo é diminuir sua autoestima e fazê-la sentir-se inferior.


• Ameaças e Intimidações: O agressor faz ameaças veladas ou explícitas, que podem envolver violência física, perda de emprego, isolamento social ou outras formas de punição, como, por exemplo, a inclusão de familiares em processos judiciais. A vítima vive em constante estado de alerta e medo por si e por sua família.


• Isolamento: A vítima é afastada de amigos, familiares e outras formas de suporte social. O agressor busca controlar seus contatos e limitar sua interação com o mundo exterior, criando uma dependência emocional e dificultando a busca por ajuda. Imagine o sujeito preso. A prisão provisória é bastante usual.


• Manipulação: O agressor distorce a realidade, mente, e usa de chantagem emocional para controlar a vítima que pode começar a duvidar de sua própria percepção e sanidade. A confusão mental pode levar facilmente à concordância com versões impostas pelo torturador.
Obviamente, esse portfólio de crueldades produz efeitos muito sérios no sujeito torturado. As vítimas podem desenvolver uma série de problemas de saúde mental, como:


• Depressão: A humilhação constante, o medo e a sensação de desesperança podem levar à depressão, um transtorno que afeta o humor, o sono, o apetite e a energia.


• Ansiedade: A vítima pode desenvolver transtorno de ansiedade generalizada, síndrome do pânico, fobias ou outros transtornos relacionados ao medo e à insegurança.


• Baixa autoestima: A vítima internaliza as mensagens negativas do agressor e passa a ter uma visão distorcida de si mesma, sentindo-se inferior, incapaz e sem valor.


• Isolamento social: A vítima pode se isolar socialmente por medo, vergonha ou por ter sido afastada de seus contatos pelo agressor.


Dominado, o torturado entrega tudo aquilo que lhe seja demandado, tanto a respeito de si mesmo como de alguém com quem tenha algum tipo de relação. Neste momento, para a vítima, verdade e mentira perdem valor, resta apenas a versão que suspenda a tortura, que lhe renda um pouco de paz ou de perspectiva pacífica.


A ninguém pode ser cobrado firmeza perante a tortura. O modo psicológico destrói o indivíduo por dentro, devasta a moral, ajoelha a coragem. Ao invés de quebrar seus membros e, pela dor ou perspectiva de morte, obrigar a vítima a confissão e delação, no modo psicológico a tortura abala diretamente a sua inteireza psíquica, transformando-o em uma espécie de molambo capaz de dizer e assumir qualquer versão que lhe seja apresentada, daí a confusão, a contradição, a insegurança, a fragilidade, a incoerência, a incerteza das declarações.


Como disse o poeta romano Ovídio, “sob a lei do juiz e da testemunha, toda a carne é torturada”, significando que a natureza humana não suporta o peso da mão do juiz sem de algum modo se sentir supliciada, mais ainda se for – o juiz, um notório seviciador moral de testemunhas. A tortura psicológica é o “pau de arara” dos maus policiais e juízes dos novos tempos. Felizmente, no Brasil de Lula e Alexandre de Moraes, isso não existe, né?


Valterlucio Bessa Campelo escreve às segundas-feiras no site AC24HORAS e, eventualmente, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor PERCIVAL PUGGINA, no DIÁRIO DO ACRE, no ACRENEWS, no VOZ DA AMAZÔNIA e em outros sites.


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