O primeiro leilão de rodovias de 2025, que ocorrerá na B3, em São Paulo, oferecerá à iniciativa privada a concessão de um trecho de 687 km da BR-364 em Rondônia, entre Vilhena e Porto Velho. No entanto, a ausência de interesse na privatização do trecho da rodovia que liga Rio Branco a Cruzeiro do Sul, no Acre, tem gerado debates sobre os motivos que afastam investidores dessa parte da estrada.
De acordo com informações obtidas pela Folha, o projeto de concessão, denominado “Rota Agro Norte”, atraiu cinco investidores interessados no trecho rondoniense, sendo que dois demonstraram maior intenção de apresentar propostas. O contrato, válido por 30 anos, prevê investimentos de R$ 6,53 bilhões em obras estruturantes e outros R$ 3,9 bilhões em manutenção, totalizando mais de R$ 10,4 bilhões. Entre as melhorias previstas estão a duplicação de 114 km da rodovia, 200 km de faixas adicionais, 20 passarelas para pedestres e 19 km de vias marginais.
O coordenador da Bancada Federal do Acre, senador Alan Rick (União Brasil), explicou ao ac24horas nesta segunda-feira (24) que a falta de interesse na concessão do trecho acreano da BR-364 está relacionada a um estudo de viabilidade econômica da rodovia. Segundo o parlamentar, o principal fator para atrair investidores privados é o volume de tráfego, pois a manutenção e melhoria da estrada precisam estar alinhadas com uma receita compatível.
Outro ponto levantado por Alan Rick é a qualidade do trecho acreano da BR-364. Ele destacou que tem cobrado do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) a reconstrução da rodovia, apontando que a precariedade da via pode ser um dos fatores que desestimulam investidores privados. “Por que tenho ido ao DNIT regularmente cobrar a reconstrução da estrada? Exatamente porque a BR-364 precisa ter condições adequadas de funcionamento durante todo o ano. Não adianta realizar obras paliativas de recuperação no verão se, no inverno, a estrada ‘esfarela’. Por isso, temos insistido tanto na reconstrução. Se nossa rodovia não tiver condições adequadas, não haverá viabilidade econômica para uma privatização”, declarou o senador Alan Rick.
Rick ressaltou ainda que a “Rota Agro Norte”, que está em fase de privatização, é a principal via de escoamento da produção agrícola e industrial de Rondônia. “O trecho da BR-364 que será concedido à iniciativa privada conecta as áreas produtivas do estado vizinho às rotas de exportação. O Acre precisa produzir mais, pois uma agricultura forte gera riqueza e atrai investimentos. Rondônia tem esse atrativo, e nós também podemos ter. Além disso, se houvesse uma ligação da BR-364 com o Peru, esse seria o marco para tornar o Acre o maior corredor de exportações do Brasil”, pontuou.
O senador também defendeu a interligação do Acre ao Peru. “Tenho batido nessa tecla: é preciso conectar nossa rodovia ao território peruano. A distância de Pucallpa ao Porto de Chancay é de apenas 682 quilômetros. Esse porto é o maior investimento logístico do Peru, com forte aporte de capital chinês. Foram US$ 3,4 bilhões investidos na construção desse megaempreendimento, que reduzirá em até 25 dias o tempo de transporte das cargas por navio, em comparação ao tempo gasto quando uma carga do Brasil sai dos portos do Sudeste (Vitória, Santos e Açu, por exemplo). Com essa ligação terrestre, a BR-364 não será apenas reconstruída, mas também duplicada, além da construção de um porto seco, armazéns logísticos para empresas exportadoras e diversos outros investimentos”, explicou.
Bittar e Ulysses destacam falta de atividade econômica como entrave para privatização da BR-364 no Acre
O senador Márcio Bittar (União Brasil) afirmou que a falta de atividade econômica na BR-364 no Acre é o principal motivo para a ausência de investidores interessados na concessão do trecho. “O que falta é atividade econômica. O fato de Rondônia despertar interesse não é coincidência, tem a ver com o que a gente vem dizendo há muitos anos. Hoje, Rondônia tem quase um terço do seu território aberto. Eles possuem o porto de Porto Velho, que é um canal de exportação, e, ao longo da BR-364, há uma produção muito forte. No agronegócio, Rondônia se destaca na produção de arroz, soja, milho e até na piscicultura. Rondônia é um grande produtor de peixe de água doce. Então, há uma economia consolidada. Nenhuma empresa privada vai assumir uma estrada se não houver uma planilha que demonstre que o tráfego nela será suficiente para custear a obra. Agora, no trecho entre Rio Branco e Cruzeiro do Sul, qual é o tráfego que justificaria um investimento milionário?”, questionou.
Bittar também sugeriu que um acordo econômico com o Peru poderia atrair investidores. “Se houver um governo sério, e o governo federal estabelecer um acordo com o Peru, isso poderia incluir não apenas investimentos em infraestrutura, mas também um pacto econômico entre os dois países para aquecer a economia. Nesse contexto, uma conexão com o Peru, aliada ao desenvolvimento da atividade econômica, poderia, sim, atrair empresas privadas para realizar essa obra”, explicou.
O deputado federal Ulysses Araújo (União Brasil) reforçou que a privatização, como o próprio nome sugere, é uma iniciativa do setor privado que visa lucro. Ele destacou que o trecho da BR-364 dentro do Acre não possui atrativos turísticos que justifiquem um fluxo de veículos suficiente para cobrir ao menos os custos de manutenção da rodovia. “Além disso, não há perspectiva de desenvolvimento econômico capaz de garantir os recursos necessários para custeio e manutenção da BR, como ocorre em Rondônia, que se tornou o principal celeiro de produção agrícola de grãos da região Norte, além da piscicultura. Lá, já se fala na ‘Rota Agro Norte’ para o escoamento da produção gerada pelo agronegócio”, ressaltou.
Ulysses lamentou que, por muitos anos, o Acre tenha se mantido preso a uma economia extrativista e ambientalista, sem avançar no desenvolvimento agrícola e pecuário, setores fundamentais para a industrialização. “Nesse cenário, não vejo como empresas do setor de concessões rodoviárias possam se interessar pelo Acre, a menos que haja uma imposição, considerando o atual momento da nossa economia local”, concluiu.
Superintendente do DNIT no Acre descarta privatização da BR-364 por falta de tráfego
O superintendente do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) no Acre, Ricardo Araújo, afirmou ao ac24horas que, no momento, não há viabilidade para a privatização do trecho da BR-364 no estado devido ao baixo fluxo de veículos. Segundo Araújo, caso a rodovia fosse concedida à iniciativa privada agora, a tarifa média por veículo ultrapassaria R$ 1 mil.
“No Acre, a privatização ainda não é viável porque não temos um volume de tráfego suficiente para justificá-la. Se fosse privatizada hoje, o custo por veículo seria altíssimo, superior a mil reais, tornando inviável para os usuários. Acredito que talvez em cinco anos, quando tivermos um fluxo mais robusto, essa possibilidade possa ser considerada. Já estamos trabalhando na restauração da estrada com macadame e temos a reconstrução programada para licitação. Assim, vamos melhorando a rodovia gradativamente. Quando ela estiver completamente restaurada e houver um aumento significativo na circulação de veículos, aí sim poderemos discutir a privatização. Mas, até o momento, isso ainda depende de diversas análises, incluindo o Tribunal de Contas da União (TCU), o que torna o processo ainda mais complexo”, comentou.
Araújo também comparou a situação do Acre com a de Rondônia, onde a concessão da BR-364 já está em andamento. “O trecho que será privatizado em Rondônia conecta o estado ao Mato Grosso e ao porto de Porto Velho, uma das principais rotas de escoamento da soja pelo rio Madeira. Lá, o tráfego de caminhões e veículos pesados é muito maior, o que justifica o interesse na privatização. No Acre, especialmente no trecho até Cruzeiro do Sul, ainda não temos esse volume”, destacou.
A deputada federal Socorro Nery (PP) preferiu não comentar o assunto. Os demais parlamentares federais do Acre não responderam aos questionamentos da reportagem, mas o espaço segue aberto para eventuais manifestações.
O deputado federal José Adriano (PP) se pronunciou sobre o assunto e afirmou que também busca uma justificativa para a situação. No entanto, mencionou a falta de viabilidade econômica como um dos principais fatores.
“Também estou em busca de uma justificativa. Pelo que sei, os números apresentados não são atrativos nem economicamente viáveis. Além disso, a possibilidade de subsídios por parte da União não foi cogitada”, explicou.