A história do Acre é o conto de um lugar que foi quase sempre um não-lugar. Aqui, desde a chegada dos primeiros não indígenas, foi região de exploração econômica. Nem as elites endinheiradas que financiaram os seringais, tal como os seringueiros trazidos por elas, vieram para ficar. Assim como, hoje, os do centro-sul que chegam para ocupar cargos de concursos federais e estaduais ou para adquirir terra barata e abrir campo para especular no mercado imobiliário.
Os seringalistas e seus fundos de financiamento, as Casas Aviadoras, nunca tiveram a intenção de fincar o pé no Acre. O desejo e a motivação de adentrar por estas bandas era ganhar dinheiro rápido e fácil para investir em estruturas e imóveis em Belém e Manaus e, sonho de consumo, no Rio de Janeiro ou Paris. O boom da borracha nos dois ciclos de ocupação da região possibilitou tal empreitada.
Já os seringueiros, retirantes das castigantes secas do Nordeste, quase sempre enganados por seus patrões, chegavam contando os dias para retornar à sua terra natal levando o dinheiro ganho com o ouro branco, o látex. Algo um tanto parecido com o que acontece, hoje, com os que vêm para retornar aos seus locais de origem levando títulos de propriedade de centenas ou milhares de hectares de terra adquiridas quase de graça ou seus cargos estáveis com garantia de aposentadoria integral – e somente isso justifica virem para região tão “distante, inóspita e sem atrativos”, como falam.
A questão que fica é sobre qual o efeito dessa atitude para a região. Ou, dito de forma mais clara, qual a chance de uma região forjada nessa mentalidade crescer, prosperar e se desenvolver, gerando bem-estar para seu povo, em um contexto de justiça, liberdade e harmonia social? A resposta pode ser dada a partir da história da América Latina, da África e do Oriente Próximo (hoje Oriente Médio), todas elas regiões exploradas à exaustão pelo velho colonialismo europeu: nenhuma.
É, caro leitor, trata-se de um prognóstico desconfortável. Mas, apesar de duro, bem real. O Acre e a Amazônia só vingarão no dia em que seus destinos forem tomados nas mãos pelo povo que aprendeu a viver e a gostar daqui, e desde que isso seja feito em estreita aliança com aqueles que sempre viveram nessas florestas e nunca pensaram em sair, porque consideram esse o seu lugar, onde estão suas raízes, seus ancestrais e sua razão de ser, os povos indígenas – diga-se.
Você deve estar se perguntando o porquê de tão enfática afirmação. Eu respondo dizendo que basta olharmos para a diferença no resultado social e econômico dos processos históricos de regiões de exploração, como as listadas anteriormente, em relação a regiões de colonização, para onde pessoas levaram suas famílias com a intenção de fincar raízes e reconstruir suas vidas. Estou falando de países como Austrália, Nova Zelândia ou mesmo os Estados Unidos. Ou, aqui mesmo no Brasil, a diferença entre o Sul e a nossa região. É claro que o clima, as características do solo e o nível de escolaridade dos colonos foi de suma importância. Mas, nada que se iguale ao papel da mentalidade de colonização, de quem “veio para ficar” quando comparado com quem veio “para explorar e ficar rico” e depois retornar ao seu local de origem.
No livro “Por que As Nações Fracassam”, Daron Acemoglu e James A. Robinson, professores da Universidade Harvard, nos dão boas pistas de como essa diferença se realiza. Vencedores do Prêmio Nobel de economia em 2024, os pesquisadores descrevem a diferença no resultado da ação de elites sociais e econômicas que constroem instituições que promovem justiça social, bem-estar, segurança e boas condições de geração de negócios, para aquelas que incentivam a cultura do privilégio, do assistencialismo e da pilhagem sobre os recursos naturais, gerando corrupção, pobreza, insegurança e concentração da renda e da riqueza nas mãos de poucos.
O desafio dos que nasceram ou que mesmo vindos de fora aprenderam a viver e a gostar do Acre e da Amazônia é mudar essa história. É sonhar e trabalhar para transformar em realidade o desejo de ver este lugar um espaço de oportunidades, justiça social, segurança e paz. A prosperidade tão almejada pode ser construída. Como primeiras medidas, deveríamos estar mobilizados contra a corrupção, os privilégios e a destruição de florestas e rios, e dedicados a exaltar as virtudes, belezas e oportunidades do nosso lugar e em construir instituições fortes, profundamente honestas e justas.