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O brasileiro tem todo direito de reclamar do preço dos alimentos. O acreano em especial. É preciso, no entanto, tentar entender o sobe e desce dos números para poder melhorar a qualidade das cobranças aos governos, em todos os níveis da administração pública. Usando de algum rigor, uma diferenciação necessária guarda relação com os conceitos de carestia e inflação.
Não são a mesma coisa. Sempre andam juntas. Pode-se dizer que têm o mesmo berço, mas são embaladas de formas diferentes. Para simplificar a abordagem, não seria errado dizer que a carestia é uma consequência da inflação.
Aos números: no ano de 2019, a inflação dos alimentos foi calculada pelo IBGE em 6,37%. Situada no contexto da pandemia de covid-19, em 2020, a inflação dos alimentos saltou para 14,09%. Em 2021, o IBGE registrou 7,94%. E, em 2022, um novo aumento: 11,64%. Frise-se: quem constatou estes números foi o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
O mesmo instituto registrou que em 2023, a inflação dos alimentos caiu para 1,03% e no ano passado fechou em 7,69%. Sempre com dados do IBGE. Mas por que a sensação não é essa? A pergunta é simples, verdadeira. Mas respondê-la em um editorial de pouco mais de uma lauda seria um atrevimento que beiraria a arrogância. Uma comparação mais próxima da rotina do leitor é possível fazer com os dados da Segurança Pública.
Vez por outra, o leitor se depara com dados oficiais que apontam redução no número de mortes violentas intencionais. Os números são reais; têm amparo em dados do SUS; passam pela lupa criteriosa do Ministério Público. No entanto, a sensação de insegurança persiste. O cidadão, desconfiado por natureza, duvida: aponta manipulação dos números, critica a imprensa por reforçar a retórica oficial. Mas os dados estão lá, estatisticamente corretos, mas distantes daquilo que o cidadão sente. São números que não dialogam com a sensação, com expectativas.
Voltando para a seara econômica, a dinâmica é a mesma. Pelos números apresentados anteriormente, a inflação dos alimentos sob a administração do ex-presidente Jair Bolsonaro nunca ficou abaixo dos 6%. Em 2022, quase bate na casa dos 12%. Mas a sensação que se tem hoje, passados dois anos da gestão de Lula, é que a inflação dos alimentos está mais severa e, portanto, a carestia está maior.
Como tudo em Economia, há diversas “leituras” do fenômeno. Tratando especificamente do Acre, essa sensação de carestia é ainda pior. E é pior porque se a renda do brasileiro é ruim, a do acreano é pior ainda. Só em Rio Branco, há mais 1,5 mil famílias que aguardam a visita de assistentes sociais para poderem integrar o programa Bolsa Família. Vão se juntar a outras 133 mil famílias beneficiadas que fazem circular quase R$ 95,6 milhões no Acre por mês. É a cifra da miséria: ou é isto ou as exclusões econômica e social gerariam um caos ainda maior por aqui.
Os economistas do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) calculam que a inflação geral acumulada do período de Bolsonaro foi de 27% (a dos alimentos, especificamente, foi de 46%).
Ora, para uma população empobrecida como a população acreana, qualquer ponto percentual de aumento com uma inflação herdada e acumulada nesse nível é fatal para a mesa e para a rotina. Em uma família que necessita de um programa federal de distribuição de renda, a mínima elevação do preço dos alimentos tem efeito muito mais devastador. E é exatamente neste ponto em que se vive atualmente, com destaque para as altas das carnes, leite longa vida (“leite de caixinha”) e café.
A semana que passou foi marcada por um episódio patético, que rendeu muita “curtição” e engajamento nas redes sociais, mas que pouco qualifica o debate sobre a relação entre produção agrícola e crescimento econômico. O episódio em questão foi a guerra dos bonés. Entre a turma do “Comida Barata Novamente” e “O Brasil é dos Brasileiros”, o povo fica onde mesmo? A patota do primeiro boné trazia uma frase que não há quem critique. Só esqueceram de dizer que no período de 2019 a 2022 o pirão ficou muito mais ralo para muito mais gente. E a turma do segundo boné ficou contentinha porque conseguiu um motivo tolo para se automotivar, já que a “sacada” do boné irritou a extrema direita tupiniquim. Enquanto isso, a cena do Brasil real passa ao largo, sem frase de efeito, sem boné e (o que é pior) perdendo a esperança.