As 12 indústrias de beneficiamento de castanha do Brasil registradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no Acre têm condições de absorver toda a extração local. No entanto, continua o escoamento da amêndoa acreana para a Bolívia e para o Peru.
Não há dados exatos. Quem lida nesse segmento do comércio extrativista faz uma estimativa conservadora de que “no mínimo 40 por cento” da castanha daqui abasteçam as indústrias bolivianas e peruanas.
A maior cooperativa de produtos extrativistas do Estado, a Cooperacre, é quem tem maior capacidade instalada. As cinco unidades têm condições de beneficiar toda castanha do Brasil extraída no Acre em 11 meses. “Hoje, essas unidades estão ficando a maior parte do ano paradas por falta de castanha porque os peruanos e bolivianos levam quase tudo”, afirma o diretor da cooperativa, Manoel Monteiro. “Hoje, os peruanos compram mais do que a Bolívia”.
A concorrência, claro, tem incomodado. “Eu não sei o que esses caras fazem. Eles vêm aqui e compram castanha mais cara do que nós e vão oferecer aos mesmos fornecedores que os nossos com preços mais baratos”, relata o presidente da Cooperacre, José Rodrigues de Araújo.
Atualmente, a Cooperacre comercializa castanha do Brasil para 11 países. Só com este produto, teve um faturamento médio bruto nos últimos anos de R$ 40 milhões. A direção da cooperativa é simpática à intervenção do Estado para que se restringisse a saída da castanha in natura.
“O difícil é competir de forma desigual. Na Bolívia, tem uma lei que proíbe a saída de castanha in natura
. Isso para proteger os empregos e a agregação de valor local”, retoma o diretor Manoel Monteiro. “Enquanto a castanha sai do Brasil livremente para exportação sem tributação alguma, ela tira muitos empregos e diminui a circulação de recursos do nosso Estado”. Hoje, só com a extração de castanha, a Cooperacre trabalha com 800 famílias de extrativistas.
Das 2,5 mil famílias cooperadas, 800 trabalham com castanha. Cooperacre é a maior beneficiadora de castanha do Brasil e quer ser a maior do mundo. Imagem: Cooperacre/Cedida
Se a saída de castanha do Brasil para os vizinhos não é novidade, quais medidas inovadoras poderiam ser adotadas para que a amêndoa tivesse valor agregado deste lado da fronteira? “Não há uma resposta simples”, reconhece o deputado estadual Edvaldo Magalhães (PCdoB) que já foi secretário de Estado de Indústria na última gestão petista. “É evidente que falta também política pública, mas isso precisa ser feito de maneira que não interfira ao ponto de inviabilizar o sensível mercado da castanha. Caso isso ocorra, é ruim para todos”.
No Distrito Industrial de Rio Branco, um galpão que comercializava castanha está fechado. O local não está abandonado. Há inclusive câmeras de segurança.
Lei Kandir facilita operações de saída da castanha in natura
A Lei Kandir, que desonerou ICMS sobre exportações, acaba prejudicando o movimento dos industriários acreanos em beneficiar a castanha do Brasil aqui mesmo no Acre. Some-se a isso, o completo descontrole sobre a saída do produto para a Bolívia e para o Peru.
“A gente não tem uma fiscalização nas fronteiras efetiva. Esse produto sai de maneira informal. Não há controle de quanto sai de castanha do Estado”, afirmou a engenheira agrônoma da Secretaria de Estado de Agricultura e chefe da Divisão de Extrativismo e Sociobiodiversidade, Eneide Taumaturgo.
A Lei Kandir foi criada para fortalecer a presença dos produtos brasileiros no mercado internacional de maneira competitiva. Mas o que ocorre no comércio da castanha do Brasil com Bolívia e Peru pode ser classificado como um comércio formal?
Exportação efetivamente planejada é o que foi discutido com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) em março do ano passado. Na ocasião, foram definidos como “mercados prioritários”: Itália, França, Alemanha, Estados Unidos, China, Emirados Árabes e Reino Unido.
E isso acabou influenciando a agenda oficial do Estado. “A gente trabalhou em parceria com o Sebrae a ‘Marca Coletiva’ da castanha do Brasil com o intuito de buscar um nicho, um mercado diferente, via Cooperacre e outras cooperativas singulares, para a castanha e outros produtos da sociobiodiversidade do Estado”, destacou a engenheira agrônoma da Seagri e chefe da Divisão de Extrativismo e Sociobiodiversidade, Eneide Taumaturgo. Esse é um nível de comércio: articulado, com relações interinstitucionais e formal.
O que ocorre com o comércio da castanha do Brasil extraída do Acre e vendida in natura para a Bolívia e Peru é outra coisa. Na prática, é um contrabando descontrolado e consentido pelo Estado.
FIC exige diplomacia e ações institucionais integradas
O Festival Internacional da Castanha vai exigir, sobretudo da Cooperacre, desempenho diplomático para construir referenciais novos no comércio com os vizinhos. Agendado para acontecer na cidade de Epitaciolândia entre 21 e 23 de fevereiro, o encontro vai reunir industriários, empresários, gestores públicos do Acre, da Bolívia e do Peru para discutir comércio.
A iniciativa do encontro é da Cooperacre e da Cooperativa Agro extrativista de Assis Brasil, Epitaciolândia e Brasiléia (Coopaeb). O festival tem programação que prioriza aproximação do ponto de vista cultural e artístico. Mas o contexto deve servir de amparo para decisões que podem ser estratégicas para os dois lados da fronteira.
AQUISIÇÃO DE CASTANHA DO BRASIL “IN NATURA”
Estimativa é de queda na safra de 2025
A Cooperacre estima que a safra de castanha de 2025 será pequena, comparada às safras dos últimos cinco anos. Entre 30 a 40% menor do que a safra de 2024. A pressão para que o poder público e as agências de fomento ao comércio exterior interfiram tem uma razão. O investimento que a Cooperacre fez só na cadeia produtiva da castanha: R$ 30 milhões.
Cooperacre pressiona por maior controle do Estado para que castanha seja beneficiada no Acre Imagem: Cooperacre/Cedida
Dos Mutran à tríplice fronteira: o que mudou?
Para explicar a mudança efetivada no comércio da castanha no Acre nos últimos 25 anos, é preciso fazer um recorte político. Foi na gestão do ex-governador Jorge Viana que uma guerra comercial foi travada com os Mutran, do estado do Pará. Na prática, toda a castanha do Acre era canalizada para o Pará.
Partiu do “Governo da Floresta”, inclusive, a mudança da denominação de “castanha do Pará” para “castanha do Brasil”. A diferença da palavra refletia uma tentativa de radicalizar na reestruturação de toda cadeia produtiva. Naquela época, as expressões “agregar valor”; “valorizar o extrativista”; “política de preço mínimo” faziam parte da agenda do mais simples ao mais alto escalão do governo.
Cooperacre surgiu em 2001, durante o governo de Jorge Viana, que protagonizou uma disputa comercial com os Mutran, do Pará Imagem: Cooperacre/Cedida
Faltava, no entanto, uma mediação efetiva entre o extrativista e o mercado. Foi a partir desse diagnóstico que, em 2001, surgiu a Cooperacre. Essa cooperativa foi criada a partir da régua e do compasso da administração de Jorge Viana no Governo do Acre.
A Cooperacre foi a ferramenta mercadológica que minou a força dos Mutran. As toneladas de castanha que abasteciam a indústria paraense passaram a ser comercializadas por um grupo de gestores públicos e extrativistas que aceitaram o desafio de conduzir a cooperativa. Rondônia, que também enviava castanha para o Pará, aderiu ao movimento e criou suas próprias cooperativas. Aos poucos, os Mutran foram definhando.
A Cooperacre trouxe valorização à lata da castanha. Associada a esse movimento, foi criada a Agência de Negócios do Acre (Anac), uma espécie de mediadora para abrir mercados oferecendo os produtos acreanos aos consumidores mais exigentes do país.
No que se refere à castanha, a Cooperacre é a cooperativa com maior produção de castanha beneficiada do país. E tem planos para ser a maior do mundo.
Os críticos da intervenção estatal nos moldes como foi feita entendem que não houve uma efetiva mudança estrutural na cadeia produtiva dos produtos extrativistas de uma forma geral, inclusive da castanha. E que aquilo que se convencionou chamar de “neo-extrativismo” (valorização dos produtos de base florestal transformados pela atividade industrial) não se consolidou economicamente.