Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e mais um sem número de organizações teimam em usar a ciência como ferramenta para proteger, conservar e defender os biomas brasileiros. Esse grupo está de um lado do barranco. Do outro lado de um hipotético rio, estão interesses de grandes corporações e de políticos negacionistas (ou que manejam dados de acordo com as conveniências). No meio disso tudo, em busca de uma terceira margem, está o cidadão, tentando entender qual rumo a canoa toma.
Dito isto, a pergunta é inevitável: por que esse grupo não consegue uma unidade na hora de dizer os dados sobre desmatamento na Amazônia? É preciso uma forma mais simples de dizer.
A região é a mesma; o objeto analisado é o mesmo; a luta é compartilhada. Por que os números não são os mesmos? Isso dificulta a compreensão do problema. Na tentativa de detalhar métodos de trabalho, os pesquisadores vão se enrolando em siglas e dados que complicam a vida de quem se esforça por entender a cena toda. Os negacionistas adoram.
A diferença dos dados está em uma palavra: “fotografia”. Como assim? Não há condições de ver olhando para o céu: mas alguns satélites (que acabam servindo como grandes “máquinas fotográficas”) passam pela região algumas vezes, em um determinado período. E tiram milhares de fotografias. A resolução dessas fotografias pode gerar diferentes informações. É possível entender essa “resolução” como a capacidade de mostrar alterações na vegetação.
Isso explica as diferenças de “olhares” do Inpe e do Imazon. Por exemplo: o Imazon emite mensalmente um boletim. O documento se chama Sistema de Alerta de Desmatamento. Foi batizado, por quem é íntimo do assunto, de SAD. Esse sistema só consegue ver desmatamentos iguais ou superiores a 1 hectare. Ou seja: desmatamentos inferiores a 1 hectare não são identificados pela “fotografia” do SAD.
Os dados do Inpe têm alguns detalhes. Os relatórios do Instituto de Pesquisas Espaciais são de dois tipos: mensal e anual. Os mensais são chamados de DETER. A “fotografia” é menos precisa do que a do Imazon. O Inpe tem resolução de, no máximo, 3 hectares. Ou seja, se o desmatamento for de 2,5 hectares não é visto pelo Inpe. Há menos precisão, comparado ao SAD. No entanto, os dados oficiais de desmatamento na Amazônia gerados pelo Inpe são de outro sistema.
Além do DETER (mensal), o Inpe divulga um relatório anual de desmatamento. Geralmente, esse relatório é divulgado em novembro. Ele é chamado de PRODES. Com esse sistema, a “fotografia” do Inpe faz um “zoom” poderoso. A aproximação capta alterações na vegetação com mínimo de 20-30 metros. É o equivalente ao registro de desmate de uma área entre 400 e 900 metros quadrados. É como se a fotografia tivesse sendo registrada quase em cima da cabeça de quem está derrubando.
A infraestrutura de Tecnologia da Informação, os profissionais envolvidos e a complexidade que o PRODES exige não permitem a elaboração de relatórios mensais. Por ser uma “fotografia” muito mais “próxima do lance”, a informação leva um tempo maior para ser formulada. Daí a importância de que dados mensais sejam gerados.
Há uma mudança em curso na forma do desmatamento e o Governo Federal e Organizações Não Governamentais estão atentos a ela. Os pesquisadores chamam de “degradação florestal”. É como se fosse um “desmate por etapas”. Diferente do uso do “correntão” e dos grupos de homens espalhados com motoserras por uma determinada área, a degradação florestal é mais vagarosa.
É um desmatamento que leva entre 3 a 4 anos. É uma forma mais manhosa de desmatar: aquilo que é uma comunidade clímax hoje (uma floresta poderosa, complexa e biodiversa, com samaúmas, cumaru ferro, angelins, cerejeiras, fauna e flora ricas) em quatro anos não é nada mais do que uma “capoeira”.
Com uma área de “capoeira”, é muito mais fácil para o proprietário derrubar o que sobrou. E, desta forma, consegue até com apoio legal para a empreitada nessas novas condições geográficas. No Acre, uma região em que esse método tem sido aplicado com regularidade é na regional do Tarauacá/Envira.
Mas na região do Vale do Rio Acre também ocorre essa forma de desmate malandro. Entre a BR-364 e a estrada de Plácido de Castro, um produtor fez uma derrubada entre 2018 e 2019. E já se preparava para cometer o ato em 2020. O pesquisador que acompanhou o processo lembra que o proprietário “entrou na floresta abrindo grandes ‘avenidas’ e, provavelmente, enleirando o que derrubou. Mas, por alguma razão, não pode concretizar o intento. E dá para ver que, desde então, ele tem investido em manter a área ‘degradada’. Entre 2021 e 2024, era para a vegetação ter crescido novamente”, lembra o pesquisador.
Isso é um exemplo de “degradação” com o objetivo de eliminar a floresta sem cometer nenhum crime. “Ele vai alegar que está apenas derrubando um ‘capoeirão’”, desvenda o professor. As imagens foram captadas pelo Google Earth. Pesquisadores asseguram que exemplo semelhante ao mostrado nas imagens “tem centenas de casos parecidos”.