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Encontro com Belchior

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Eu sentia tontura e morria de medo de caminhar pela calçada, ao lado do muro da TV Ceará, Canal 2, da Rede Tupy em Fortaleza. A tontura era por conta de meu olhar infantil no rumo do topo da gigantesca torre de aço que sustentava a antena da primeira transmissora de televisão daqueles anos 70. Ao caminhar sendo puxado pela mão de minha mãe, olhando para cima eu imaginava como saiam dali e iam parar dentro da nossa TV Colorado RQ o som e as imagens P&B de Viagem ao Fundo do Mar, Perdidos no Espaço e Terra de Gigantes dentre outros dos meus seriados prediletos.


O brilho do sol alencarino (referência à terra do escritor José de Alencar viu, seu dicionário do Word!), o movimentar rápido das nuvens levadas pelos ventos atlânticos e aquele azul celeste que só mesmo Deus poderia ter ideia de inventar faziam aquele menino deslumbrado achar que a torre caía sobre sua cabeça. Era sempre assim, de qualquer lado da rua que eu viesse, de qualquer ângulo que olhasse sempre achava que aquela enorme estrutura movia-se na minha direção. Por vezes minha mãe ria e me acalmava, por outras levava era um carão e um peteleco no pé da oreia pra deixar de ser abestado.


Por ali, por aquele quarteirão era onde sempre a gente se deparava com algum artista famoso senão nacionalmente, mas ídolos de nossa programação local, conhecidos por toda a população e reverenciados como celebridades. Uma vez eu vi o Renato Aragão, mas aquilo era uma raridade, fácil mesmo de encontrar era o Irapuã Lima, apresentador do mais popular programa de calouros da emissora e suas bailarinas chamadas “irapuetes”. As pessoas chegavam bem cedinho na entrada que dava acesso ao auditório para pegar a senha e poder participar do show ao vivo.

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Também era comum a meninada correr para ganhar balas do Augusto Borges, dono do Programa Show do Mercantil, que era patrocinado pelo Mercantil São José e dava um montão de brindes para plateia. Tinha também a cantora Ayla Maria e seu marido, comunicador Armando Vasconcelos. Todo esse pessoal mais outro tanto era encontrado facilmente quase todo dia caminhando por ali, nos arredores do prédio da emissora.


Certa vez, já por volta dos meus dezoito anos, o diretor do GRETA (Grupo Estudantil de Teatro Amador), Ozail Cardoso conseguiu uma participação no Irapuã Lima Show onde a gente apresentaria uma pequena esquete para divulgar nossa nova peça. Mas essa é outra história. Pois bem… Lá estava eu me aproximando mais uma vez da terrível assombração de minha infância, a gigantesca torre da moléstia! Chega me deu calafrio só de me lembrar, mas não parecia mais ser tão alta nem se mexia mais. Era apenas uma coisa parada lá longe de mim.


Enquanto eu observava aquela maravilha da engenharia, matutando e sorrindo a respeito de meus medos infantis, sem perceber que estava literalmente no meio da rua, um automóvel de bacana, um tal de MP Lafer, carrão de gente rica, celebridades e tal entra buzinando e cantando pneu esgoeladamente. O susto foi tão grande que, não sei como que c’os carai de asa, eu já tava agarrado com braços e pernas na grade do muro da TV Ceará, me tremendo todim. Inda vi o condutor do veículo, visivelmente puto, gritar mesmo assim: “Ó o mei da rua, fí de rapariga!”.


O pessoal que estava comigo, alguns se acabando de achar graça, outros apontando pro carro, que zunia em desabalada carreira ficaram abismados com quem estava ao volante. O diretor da peça era o mais escandaloso.


– Vocês viram quem era no carro, viram? Tu viu Braga, tu viu?
– Eu vi lá porra nenhuma, tá maluco? Quem diabos era?
– E nera Belchior, macho!
– E era, era? Marrapais! Capaz dele ir cantar lá no Irapuã Lima, aí a gente aproveita pra pedir um autógrafo.
– É bem capaz mesmo… Belchior cantando no show de calouros do Irapuã Lima… Rapaz, Braguinha deixa de ser lesado, bicho véi besta dos seiscentos diabos!


Até hoje eu ainda acredito mesmo, piamente, que o grande Belchior quase que me atropelou. Viva e deixe viver, Belchior!