O presidente da Associação dos Militares do Acre, Kalyl Moraes, recebeu com desconfiança a informação sobre o decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva que disciplina o uso da força e dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos profissionais da Segurança Pública. “Ninguém chama as forças policiais para pensar essas mudanças”, ironizou o sub-tenente da PM, com 25 anos de experiência.
Para o presidente da AME/AC, a decisão do Executivo é alimentada, sobretudo, pelo fator político. “Isso fragiliza a atuação dos policiais porque temos que nos adaptar e nos enquadrar nas abordagens, sujeitos a toda sorte, sabendo que o fator que motivou as mudanças foi estritamente político”.
E, se o critério é estritamente político, avalia Kalyl, o Governo Federal erra também porque não se ouviu quem poderia contribuir de forma orgânica com o tema. “Não há consulta sequer aos legisladores que entendem de Segurança Pública, que trabalharam com Segurança Pública”, registrou.
O decreto assinado pelo presidente Lula e publicado no Diário Oficial da União no último dia 23 de dezembro possui 11 artigos. E foi recebido tanto por parte das forças policiais quanto por governadores como uma “fragilização” da atuação policial ou como “chantagem”. Por que o termo “chantagem”?
Por causa do artigo 9ª que tem a seguinte redação: “O repasse de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Penitenciário Nacional para ações que envolvam o uso da força pelos órgãos de Segurança Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios está condicionado à observância do disposto na Lei no 13.060 de 22 de dezembro de 2014, e neste Decreto”.
A ideia da “chantagem”, defendida por alguns políticos da oposição, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), é justificada pela condicionante imposta pelo artigo 9ª do decreto. É como se o Governo Federal estivesse dizendo aos governadores: “O Estado quer dinheiro para melhorar os presídios? O Estado quer recurso para compra de equipamentos, para realizar cursos… então, adira ao que defende o decreto”.
Para algumas fontes com que a reportagem conversou, o decreto é inconstitucional e deve estar na agenda do parlamento assim que o ano legislativo recomeçar. “Deve cair”, disseram. “Inclusive, já houve casos de alguns decretos ministeriais que tinham o mesmo espírito e não deram em nada. Vai cair”.
O comando da Polícia Militar do Acre foi acionado para se pronunciar sobre o assunto. Por meio da assessoria, informou que não iria falar.
Diante dos repetidos casos de abusos de poder ou uso desproporcional da força em operações policiais em todo o país, o Governo Federal reagiu com a formulação do Decreto 12.341, de 23 de dezembro de 2024. Você entende que há justificativa para essa unificação/padronização na forma de atuação das polícias? Qual deveria ser a prioridade do MJ?
A unificação e padronização na atuação das polícias é um passo importante para garantir a integridade das operações e a proteção dos direitos humanos. No Acre, temos trabalhado incessantemente para promover uma cultura de respeito e responsabilidade nas ações policiais. A prioridade do Ministério da Justiça deve ser fortalecer a capacitação das forças de segurança, investindo em treinamentos que enfoquem a abordagem cidadã e o uso proporcional da força, além de promover mecanismos de transparência nas operações.
A adesão ao programa do Governo Federal tem como consequência acesso a recursos para a área de Segurança Pública. Isso é correto, na sua avaliação?
Sim, a adesão a programas do Governo Federal é crucial para o acesso a recursos que podem ser alocados na melhoria da segurança pública. Esses investimentos são fundamentais para a modernização das nossas forças de segurança, permitindo a aquisição de equipamentos, formação de pessoal e implementação de estratégias de prevenção e combate ao crime. No Acre, temos utilizado esses recursos para fortalecer nossas operações e expandir programas de policiamento comunitário.
Estados como o Acre, em que a taxa de letalidade das forças de segurança é baixa, são prejudicados com o decreto?
Quais deveriam ser as prioridades do Governo Federal para a Segurança Pública para estados como o Acre (observando os aspectos geográficos e socioeconômicos)?
As prioridades do Governo Federal para estados como o Acre devem incluir, investimentos em infraestrutura, como melhorar as condições das delegacias e postos policiais, especialmente em áreas remotas.
Capacitação e valorização dos profissionais de segurança, promovendo cursos de formação e atualização, com foco em direitos humanos e policiamento comunitário.
Programas de prevenção, incentivando ações que atuem na raiz dos problemas sociais, como educação, saúde e geração de emprego, que podem contribuir para a redução da criminalidade.
Integração das forças de segurança que facilitarão a colaboração entre polícias civil, militar e federal, além de promover parcerias com instituições comunitárias para um combate mais eficaz ao crime.
A Sejusp do Acre está se articulando com outros estados para “reagir” ao decreto?
Sim, a Sejusp do Acre está atenta às diretrizes do Decreto 12.341 e, se necessário, estamos em diálogo com outras unidades da federação para compartilhar experiências e perspectivas sobre a implementação do decreto. Nosso objetivo é garantir que as particularidades de cada estado sejam respeitadas e que as diretrizes sejam adequadas à realidade local. Acreditamos que a colaboração entre os estados é fundamental para fortalecer a segurança pública de forma eficaz, sempre alinhada com a proteção dos direitos humanos e a promoção de uma polícia cidadã e responsável. Estamos comprometidos em trabalhar em conjunto para encontrar as melhores soluções para a segurança dos nossos cidadãos.