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A vida sem armaduras: meu relato sobre o câncer de próstata

Já vem de tempo meu convencimento do quão difícil é falar da vida íntima. Igualmente difícil é superar bloqueios para descrever eventos diante da facilidade em analisar situações. Hoje, entretanto, o assunto da vez e as circunstâncias exigem que tais limitações sejam superadas. Afinal, falar de doença e prevenção a partir do testemunho pessoal é uma forma de prestar um serviço público relevante.


Como a maioria do gênero, frequentemente fujo de consultórios médicos. Aos 54 anos, todavia, os reclames do corpo aos poucos vão impondo certos cuidados. Ainda mais quando inflamações comuns a essa vida de ansiedades e consumo de ultraprocessados apressam as coisas. E foi a sensação de que as coisas estão apressadas que tive quando, em meados de outubro, recebi o diagnóstico da presença de um tal “adenocarcinoma prostático” resultante de uma biópsia realizada poucos dias antes.


Sabe quando o chão falta aos pés, o estômago embrulha e a cabeça entra em loop? Foi minha segunda vez – e nem por isso menos dramático que a primeira. Essa, porém, diferente daquela, em que um erro levou a um dramático falso diagnóstico de diabetes, veio acompanhada da certeza de que não se tratava de um novo susto vazio. A inflamação constante e o resultado do PSA em 8 ng/dl (nanogramas por decilitro) indicavam haver mesmo algum problema. Mais ainda quando uma ultrassonografia prostática indicou a presença de um nódulo.


Como assim? Esse não é quadro clínico comum a varões com mais de 60? Ainda me faltam bons seis anos, por que já? A questão martela nos lugares que a emoção habita enquanto a razão busca explicações razoáveis para tamanha tragédia. Não importa, é preciso encontrar formas de atenuar a dissonância própria dessa situação em que alguém que se considera invulnerável a doenças definitivas depara-se com um câncer em suas entranhas.


Certo, o diagnóstico foi rápido e pegou o maldito tumor no início de sua vida infame. “Tá vendo, isso é resultado da atitude de quem se cuida, faz exames e não foge de médico!” É como as emoções vão se ajustando, quando a razão empresta sentido à consciência, atenuando culpas e negligências. Sabe como é, não é? Atenuar a dissonância é favor que o ego presta à consciência na tentativa de minimizar nossa estupidez.


Nesse caso, convenhamos, não é somente favor. Providencias foram tomadas em tempo razoável e possibilitaram o diagnóstico precoce. Aqui cabe responder à pergunta comum, que tanto ouvi de amigos homens nas últimas semanas: quais os sinais de que alguma coisa não está bem na próstata? Confesso que não saberia dizer a frequência com que as coisas acontecem dessa forma. Como diria Chicó, “só sei que foi assim”, quando a inflamação constante na região, dores contínuas na base da coluna e xixi ralo e débil geraram a certeza de que era tempo de visitar o urologista. Daí saiu a necessidade de medir o PSA. Um resultado pouco acima de 8 indicou que era o caso de fazer uma ultrassonografia, quando o nódulo foi revelado; dele, optei pela biópsia. Foi quando o senso de invulnerabilidade, um certo complexo de super-homem, me fez acreditar cegamente que dali nada de mal sairia.


Mas, o roteiro da vida ou os desígnios de Deus, como queira, ditavam outro desfecho. O resultado, como dito, rompeu armaduras e desorganizou convicções.


Por fim, importa poder de reação e uma rede de apoio capaz de colaborar com rapidez. Foi assim que as coisas aconteceram e em pouco mais de dois meses e meio todas a etapas da intervenção foram cumpridas: sintomas, diagnóstico, cirurgia e início da reabilitação. Agora estou nessa última etapa, buscando na atualização das tantas leituras atrasadas e na companhia de mim mesmo e de minha amada esposa o sentido desse momento desafiador da vida.


Previna-se. Consulte ao médico regularmente. Faça exames sem medo do resultado. Definitivamente, não somos super-homens, se não meros mortais incensando sentimentos de superioridade como escape para medos e covardias.