Como é possível observar a escolha de Marta Renata para o Comando da Polícia Militar do Acre? Não é uma escolha qualquer porque não se trata de um cargo qualquer. Há interesses em jogo e há, sobretudo, simbologias em jogo. E simbologias fortes, caras ao Acre.
O critério mais óbvio (e, talvez, menos relevante) pode ser que esteja vinculado à questão de gênero. Segue a seguinte lógica: Marta Renata é mulher/ o Acre tem uma das piores taxas de feminicídio do país/ é qualificada para o cargo/ nunca uma mulher assumiu o comando/ a nomeação inédita em 108 anos de corporação trará ganhos políticos a Gladson. Bingo! Escolha feita. “Pronto! Chama a mulher!” Essa sequência diz tudo?
É importante entender a lógica que levou Marta Renata a ascender ao mais alto posto da corporação militar acreana, inclusive porque pode servir de farol para a superação de vários desafios que ela mesma terá ao longo da gestão.
Para chegar à patente de coronel, ela passou por todos os círculos do cônico ambiente de corte que é o oficialato. É importante frisar isto para que ninguém pense que se trata de uma iniciante no jogo de intrigas, próprio de toda corte. O oficialato do Acre, como o de todos os lugares regidos por hierarquias e patentes, tem ranger de dentes, gritos, Limbos, até o último lugar dos desgraçados, gelado como ninguém nunca pensou haver no Inferno, o lugar dos traidores. Há de tudo em um ambiente cortesão. Como o poeta, Marta passou por todos os círculos. Agora, vai encarar o purgatório.
E é nesse momento que Marta não pode deixar se ludibriar por pecados menores. O primeiro que precisa ser observado é a famosa “questão de gênero”. O cargo de Comandante da Polícia Militar do Acre exige, antes de qualquer coisa, um refinado senso de administração pública. A corporação tem lógica militarizada: isso exige do comando respeito a alguns ritos. Ritos estes que estão submetidos a um comando geral que é, no fim da linha, regido por um civil. Por um “paisano”.
Haverá momentos em que a Cel. Marta Renata, como todo ocupante do comando, será pressionada pela tropa e pelos oficiais em função de uma determinada agenda. Essa agenda não pode ser conquistada batendo a espada na mesa do Gabinete Civil. Terá que ser negociada.
E caso a agenda pleiteada seja negativa ao que exigem os colegas de coturno, tem que voltar para a caserna com a espada embainhada e fazer a defesa do Gabinete Civil. E isso tudo sem perder a liderança na tropa. Em muitos momentos, é mais simples e rápido perseguir bandidos: mais simples, mais rápido e mais higiênico. Ela verá (e será justa com o editorialista).
O senso de diplomacia, negociação, persuasão precisa ser elevado ao nível máximo com um orçamento sempre no limite. Isso ela demonstrou ter: a capacidade de negociação na reintegração de posse do São Francisco chamou atenção da equipe do Gabinete Civil. Houve uma ação truculenta, mas nada que se compare ao que ocorreu, por exemplo, na Terra Prometida.
A “questão de gênero” precisa ser superada porque a complexidade da Segurança Pública exige. Ao mesmo tempo que o perfil administrativo precisa ser valorizado, o braço ostensivo não pode jamais ser enfraquecido. Ao mesmo tempo em que não se quer policiais doidivanas que matam crianças em operações na periferia, ninguém quer policiais sendo mortos.
A Cel. Marta Renata também não pode cair no outro extremo da armadilha. Para superar a “questão de gênero”, seria um equívoco hilariante e perigoso querer emplacar o perfil “mão pesada” sem medida alguma, como a querer provar que não veio ao comando para distribuir flores. Isso também seria um erro banal.
O caminho do equilíbrio exige que ela faça o que precisa ser feito. Óbvio assim. E no momento em que precisar de alguma subjetividade para decidir algo (isso dificilmente acontecerá para o cargo em que ocupa), ela saberá ponderar. É o que se espera.
A “questão de gênero”, nesse caso concreto da nomeação da primeira mulher para o Comando da PM do Acre, é tão sensível que o movimento feminista tratou com uma estranha discrição. Serve para que a Cel. Marta Renata observe que, na administração pública, em muitos momentos, ela se sentirá só. E, efetivamente, estará só. Há momentos em que a decisão será só dela. Sem nenhuma bandeira.
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