Em pelo menos duas ocasiões, petistas evitaram menção à Marisa Letícia, antiga esposa de Lula, para não aborrecer Janja. Marisa morreu em 3 de fevereiro de 2017 após sofrer um AVC.
Uma delas ocorreu no Diretório do PT em Brasília, onde há um estúdio chamado Marisa Letícia. Quando Janja foi ao local participar de uma gravação, uma funcionária tirou a placa com o nome de Marisa do estúdio.
A mesma funcionária também escondeu as fotos da ex-primeira-dama que estavam expostas na sala do Diretório.
As histórias estão narradas no terceiro episódio de “Janja”, podcast original UOL Prime disponível nesta segunda-feira (9) no YouTube do UOL Prime para assinantes e, na terça, em todas as plataformas de podcast.
O episódio também vai contar como a atuação de Janja durante as enchentes do Rio Grande do Sul —incluindo o esforço no resgate do cavalo Caramelo— foi reprovada pelos brasileiros.
Também relata os bastidores da tentativa frustrada da primeira-dama de assumir um cargo na OEI (Organização dos Estados Ibero-Americanos) para a Educação, Ciência e Cultura.
Retalho de pano
Uma situação específica sobre a memória de Marisa Letícia teve repercussão na imprensa e nas redes sociais.
Em 10 de fevereiro de 2024, o perfil de Lula no X (antigo Twitter) postou um texto que havia sido publicado pela Fundação Perseu Abramo no aniversário de 44 anos do PT.
O texto original, que estava no portal da Fundação, dizia assim: “No começo era só um retalho de pano vermelho que a Marisa pegou e costurou uma estrela branca por cima”.
Na publicação de Lula, no entanto, a referência à Marisa foi retirada. O novo texto dizia: “No começo, era só um retalho de pano vermelho com uma estrela branca por cima”.
Luís Cláudio Lula da Silva, filho de Lula e Marisa, foi à rede social criticar a ausência da mãe. Ele escreveu: “Infelizmente, tem acontecido umas coisas estranhas! A história da minha mãe ninguém apaga, não”.
A repercussão da publicação de Luís Cláudio foi tamanha que o perfil de Lula apagou o texto modificado e repostou a homenagem original, que incluía o nome de Marisa.
Rivalidade
O UOL apurou que, nos dois casos, o pedido para excluir o nome de Marisa Letícia não partiu de Janja. Foram medidas tomadas por assessores e dirigentes, que se anteciparam a uma possível chateação da primeira-dama.
No governo existe a percepção de uma rivalidade entre Janja e a memória de Marisa Letícia. Reservadamente, petistas dizem que a atual primeira-dama contribuiu para isso em entrevista ao Fantástico, pouco antes de Lula tomar posse.
No programa, Janja disse que os brasileiros não estavam acostumados a ver Lula com uma mulher “ao lado dele, que soma com ele”. “Isso não acontecia antes, [o público] só olhava para ele. Hoje ele tem um complemento, uma soma, que sou eu.”
A fala de Janja revoltou quem conviveu com Marisa Letícia, como Junéia Batista, ex-secretária de mulheres da CUT (Central Única dos Trabalhadores).
“Não sei o que ela [Janja] sabia da vida do Lula sindicalista. Lula só é quem é porque teve uma companheira o apoiando o tempo todo, segurando todos os pepinos enquanto ele estava na luta, na greve. Essa mulher chama-se Marisa Letícia”, disse.
Continua após a publicidade
Para Junéia Batista, desde a posse de Lula existe um “apagamento da memória de Marisa Letícia”.
“Eu estava na posse e não vi nenhuma menção à companheira Marisa”, afirmou, em entrevista ao podcast.
Feição séria
Amigos e companheiros de décadas de Lula elogiam o “vigor” dele desde que assumiu o relacionamento com Janja, mas lamentam o que consideram um “descaso” com a memória de Marisa Letícia.
Ministros e membros da alta cúpula do governo tampouco se sentem à vontade em citar o nome da antiga primeira-dama em discursos oficiais ou conversas de gabinete se Janja estiver presente.
Continua após a publicidade
Mesmo que ninguém narre episódios de repreensão explícita, comenta-se que a feição séria de Janja já revela seu desconforto.
Até Lula, quando fala sobre a compra de sua primeira casa —episódio que é repetido em todas as entregas de lotes do Minha Casa, Minha Vida— menciona “eu e minha mulher”, dificilmente “eu e Marisa”, mesmo que ele seja conhecido por citar pessoas nominalmente.
Quebra de protocolo
O terceiro episódio de Janja vai mostrar que, embora diferentes no estilo, atual e antiga esposa de Lula têm aspectos em comum.
As duas quebraram protocolos e inspiraram críticas pelo estilo.
Se, em 2023, Janja desfilou ao lado de Lula no Rolls-Royce, acenando para a multidão, foi porque, vinte anos antes, Marisa Letícia questionou o espaço vazio no carro, ao lado do presidente.
Na época, Marisa foi informada que o convencional era que a primeira-dama fosse conduzida ao Palácio do Planalto e aguardasse a chegada do presidente lá dentro.
Mas Marisa não concordou. Disse que iria desfilar no carro aberto com Lula porque queria “sentir a energia do povo”.
Preocupado com a quebra de protocolo, o cerimonial da presidência tentou convencer a primeira-dama do contrário, sem sucesso. Marisa desfilou ao lado do presidente e posou na foto junto aos ministros e ministras.
Taça de vinho
Janja é criticada por se envolver em assuntos do governo, mas Marisa Letícia também influenciava Lula, como mostra o jornalista Camilo Vannuchi na biografia “Marisa Letícia da Silva”.
No livro, Vannuchi conta que, no fim do dia, enquanto tomava uma taça de vinho com Lula, Marisa “costumava se inteirar dos bastidores do governo”, ocasiões em que “opinava, dava bronca, expunha alguma preocupação”.
Continua após a publicidade
Ele relata que, após essas conversas com Marisa, acontecia de Lula mudar de ideia sobre alguma decisão tomada durante o dia. “Os ministros e assessores mais próximos sabiam que Marisa tinha responsabilidade na mudança”, escreve Vannuchi.
Canteiro de flores
Marisa também se envolveu em polêmicas. Uma delas ficou conhecida como a “Estrela do Alvorada”.
Em abril de 2004, no segundo ano do primeiro mandato de Lula, os jardins do Palácio da Alvorada e da Granja do Torto acordaram adornados com um canteiro de flores vermelhas no formato da estrela do PT.
Lula foi acusado de fazer militância partidária em espaço público. Diante das críticas, o canteiro foi desfeito.
Nos primeiros mandatos, Lula usava com frequência a Granja do Torto —residência de campo oficial da presidência— para promover churrascos com a família e encontros políticos.
Marisa era entusiasta desses encontros, ao contrário de Janja, que prefere jantares mais reservados com o marido.