Na próxima terça-feira (10), dois policiais civis do Departamento de Polícia da Capital e Interior concluem a leitura das mais de cinco mil páginas de conversas na internet, resultado da relação virtual de 8 meses e 15 dias entre Joycilene Sousa de Araújo e Thiago Augusto Borges. O casal cuja história chocou o Acre nas últimas semanas.
Os policiais foram designados pelo diretor interino do DPCI e diretor de Inteligência da Polícia Civil do Acre, Nilton Boscaro, para se dedicar exclusivamente ao caso. Eles têm o prazo regimental até o dia 25 de dezembro para concluir o que apuraram sobre o itinerário da morte de Joycilene Sousa de Araújo. Com um detalhe: os policiais não serão os únicos nessa busca. Paralelamente, a irmã de “Joyce”, como era conhecida a gerente de empresas, faz outra investigação. E ela tem autoridade para isto.
Jaqueline Souza tem formação em História, Administração de Empresas e é técnica do Ministério Público do Acre. Tem olhos calejados para ver detalhes que, normalmente, passam despercebidos por leitores comuns. Nas mãos dela, parte das mais de cinco mil páginas de diálogos está manejada com marcadores de páginas coloridos, grifos, setas e dedicação.
O artigo 122 do Código Penal é claro: Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça. Pena: reclusão de 6 meses a dois anos. Caso a indução resulte em lesão corporal grave ou gravíssima, pena de um a três anos. Se o suicídio se consuma ou se a auto-mutilação resultar em morte, a pena é de 2 a 6 anos.
“Já que ele estava com ela virtualmente, então não se trata apenas de um caso de indução ao suicídio. Não é só isso. A Joyce foi assassinada. É isso o que eu quero sustentar. Foi feminicídio. Qual arma ele usou? Bala, Enforcamento? Ele tocou nela ali?”, pergunta, retoricamente, Jaqueline, antes de verbalizar a essência do que quer defender com olhos rasos. “Ele assassinou a mente da Joyce. Há muito tempo. Ela só agrediu o corpo dela”.
Essa é a tese de Jaqueline Souza. É uma ideia que força a criação de um novo vértice no tripé dos estudos de criminologia: AGRESSOR/VÍTIMA/ARMA. A vítima: Joyce. O agressor: Thiago. E a arma qual seria?
Uma delas é clara e é sobre ela que se debruçam dois policiais e uma perita do MP: a palavra. Impressiona como nas quase cinco mil páginas a voz do agressor se sobressai. Quem fala, sobretudo, é ele. Joyce reage a centenas de agressões. Uma após outra, página após página.
Nesse processo de esmagamento da auto-estima da mulher de 41 anos e mãe da Maria Eduarda (19) e do João (24), telefone celular, carro, antecipação de FTGS, o patrimônio de uma vida dedicada ao trabalho e à família foi escapando do controle de “Joyce” e sendo transferido. Até mesmo lanches por aplicativo “Joyce”, do Acre, alimentava a fome de Thiago em Itabira, interior de Minas Gerais.
Na primeira tentativa, em que tomou 14 comprimidos e foi socorrida, “Joyce” se confessou com a irmã. O sentimento, lembra Jaqueline, era de vergonha. “O medo é a fórmula do capitalismo patriarcal. O medo é torturador. Ele faz você fazer qualquer coisa. A Joyce foi uma mulher corajosa e que lutou, que criou um muro para proteger quem estava ao redor e ficou do lado de dentro lutando bravamente”, analisou Jaqueline. “Por que ela não falava? Porque tinha vergonha. Ela me admirava. Como ia me falar? Como falar para a mãe, sem fazê-la sofrer? Como falar para os filhos sem ter medo de perdê-los?”.
Houve casos em que “Joyce” saía do quarto e ia se socorrer na cama da mãe dizendo que já não aguentava viver mais tudo aquilo. No dia 17 de novembro, oito meses, 15 dias e 70 comprimidos depois, Joycilene Souza de Araújo não suportou mais. O exemplo de vida pode forçar acadêmicos, gestores públicos e instituições a repensar o drama do feminicídio no Acre e no país.
O “Caso Joyce” deveria ser usado como objeto de análise para a gestão pública sob vários aspectos: desde a demora de 30 horas para se formalizar judicialmente a Medida Protetiva da Urgência, passando pela negação do registro de um B.O em delegacia especializada por familiares da vítima hospitalizada, até a simples comunicação entre o Into e o IML para que fossem feitos os procedimentos protocolares no corpo da mulher para que a investigação pudesse acontecer. Foram falhas em sequência. Não seria exagero dizer que “Joyce” foi agredida e desrespeitada até mesmo depois de morta.
Os diversos casos de mulheres que se identificaram com a história de “Joyce” mostram que um reparo jurídico precisa ocorrer. O movimento #justiçaporjoyce tem como mote “A Violência Psicológica puxa o Gatilho”. Um manifesto justificando a mobilização deve ser publicado em breve. Uma parte dele diz o seguinte: “Joyce não é apenas memória. Ela é denúncia, é luta. E enquanto houver quem se cale, eu gritarei: Joyce foi assassinada!”.