O povo do Acre foi generoso com Flaviano Melo, que teve a sua morte confirmada aos 75 anos nesta quarta-feira, 20 de novembro, dia da consciência negra, vítima de complicações de uma pneumonia. À exceção do cargo de vereador e deputado estadual, tudo o mais lhe foi oferecido. É bem verdade que debutou na vida pública em 1983 não pelo voto popular, mas por indicação. Iniciou na política como prefeito de Rio Branco. O batismo na vida pública nesta condição moldou uma liderança com forte perfil voltado para o Executivo.
Cabeleira preta farta, óculos escuros, corpulento, o prefeito constantemente deixava-se flagrar com a camisa de cor neutra aberta até à metade, expondo os cordões de ouro e o peito juvenil. A altura muito acima da média e a voz grave, conferiam-lhe um jeito que quase intimidava os interlocutores. Era uma falsa impressão. O filho do “Seu Raimundo Melo” e da D. Laudi não ofendia ninguém.
O acreano que aprendeu a ler e escrever no Colégio Maria Angélica de Castro voltou “doutor” com régua e compasso das escolas de Engenharia Civil do Rio de Janeiro, tendo passado por empresas como a Construtora Mendes Júnior e contribuído nos trabalhos de edificação da Ponte Rio-Niterói. Em conversas mais esticadas, falava desse itinerário com alguma discrição.
Atualmente, Flaviano Melo era o político com mais tempo de atuação no Acre. No início dos anos 80, assumiu a Prefeitura de Rio Branco. Na sequência, assume (agora pelo voto) o Governo do Estado do Acre, de 1987 a 1990. Sabia como poucos a importância dos meios de comunicação. Usou, estrategicamente, a Rádio Difusora do Acre.
As regiões mais isoladas da época ouviam debates por horas seguidas. Quem estava nos seringais, estragando a paciência e os pulmões fazendo “a bola” de borracha nem imaginava que aqueles analistas políticos se animavam nos estúdios da rádio regados a whisky da melhor qualidade. Coisa fina.
A vitória ao Senado foi quase natural. O Acre foi representado no Senado por Flaviano Melo de 1991 a 1999. Ao final do mandato, havia decidido deixar a vida pública, após perder a reeleição ao Senado. Decidiu pegar uma balsa qualificada para Manacapuru e foi passar uma temporada nos Estados Unidos.
Foi resgatado pelo correligionário Nabor Júnior que saiu do Acre anunciando que iria “aos Estados Unidos buscar o candidato do PMDB para disputar a Prefeitura de Rio Branco”. Nabor foi uma espécie de “padrinho” de Flaviano em momentos estratégicos: no início da carreira do jovem engenheiro e também em uma espécie de “renascimento” do Glorioso no início dos 2000, abatido com a então recente vitória petista ao Governo do Estado.
A campanha “Sem Ódio e Sem Medo” e a criação do Movimento Democrático Acreano deram ao Acre a polarização no tom adequado para reanimar a militância emedebista, já envelhecida. Para Flaviano, o saldo das disputas das quais participou era muito positivo. A vitória contra o economista Raimundo Angelim na disputa pela Prefeitura de Rio Branco foi tão impactante internamente para o PMDB que construiu para Flaviano Melo a possibilidade de se candidatar ˋCâmara Federal, deixando o vice, Isnard Leite, na cadeira de prefeito. Foram 16 anos seguidos representando o Acre na Câmara dos Deputados.
Evidente que mais de 40 anos de vida pública renderam a Flaviano Melo rivais e denúncias de toda ordem. A mais conhecida delas talvez seja o escândalo da “Conta Flávio Nogueira”. De forma muito resumida, a denúncia consistia em desvio dos recursos de parte do Fundo de Participação do Estado que foram aplicados no mercado financeiro. Os juros eram desviados para uma conta fantasma em nome de “Flávio Nogueira”. Acusações de envolvimento direto de Flaviano havia, mas nunca ficou comprovado o envolvimento efetivo dele no esquema.
A desconfiança e a peleja de quatro procuradores Gerais viraram pó no martelo do ministro do Supremo Marcos Aurélio Mello.
Como governador, fez obras estruturantes e outras nem tanto. Os famosos “cogumelos” (três gigantescos reservatórios de água) ainda hoje são necessários e importantes para o sistema de abastecimento de água da Capital. Os diversos conjuntos habitacionais como Tangará, Tucumã, Universitário, Manoel Julião, Xavier Maia, Adalberto Sena oferecem um esboço do que representou as gestões dele para o setor da Construção Civil regional.
Não será surpresa para ninguém que cada chave, de cada casa desses conjuntos habitacionais vinha com a grafia “foi Flaviano que fez”: o uso político dessas ações públicas era parte do método. Não se mantém uma liderança política por mais de 40 anos em uma região como o Acre citando Thomas Hobbes, o Leviatã e a metáfora dos lobos para as vendedoras de tacacá nas calçadas de Rio Branco em pleno anos 80.
Como parte de obras que não deram certo, cita-se umas estações de tratamento de esgoto criadas na gestão de Flaviano. Eram estruturas de decantação. O projeto original era para construir uma dezenas pela cidade. Chegou-se a duas. Verdadeiros “pinicões”, como foram popularmente batizados.
No Glorioso, internamente, Flaviano Melo ganhou fama de ser um líder que ofuscava o surgimento de outras lideranças. É uma acusação que sempre pode ser relativizada. Partidos políticos têm disputas internas. É próprio do exercício do poder. Há partidos em que essas disputas são mais evidentes e em outros nem tanto. Há manobras, manipulações, articulações, vitórias e derrotas. Se é assim em todos os partidos, não seria diferente no PMDB.
Cita-se agora algumas lideranças que passaram pelo PMDB (agora MDB). Os nomes permitem relativizar essa fama de “trator de lideranças” de Flaviano Melo: Roberto Duarte, Eliane Sinhasique, Emerson Jarude, Mara Rocha, Wherles Rocha, Marcus Alexandre.
“Muita gente fala que eu não deixo ninguém crescer no MDB. Ora… o que eu falo sempre é ‘viabilize politicamente o seu nome’ e vamos gastar sapato conversando com o povo. É isso o que eu falo”, dizia Flaviano, sempre que cobrado sobre o assunto.
Flaviano não era um homem de grandes tiradas, de ironias refinadas ou de formulações muito rebuscadas. Os acadêmicos da Teoria Política podem até ter Flaviano na conta de uma liderança simplória. Uma pessoa que agia rotineiramente em extremos: ou dizendo de forma clara e direta o que se queria e era necessário dizer; ou com os silêncios. Nada mais acreano.
Na Mesa Azul, em diversas ocasiões, o clima estava alterado. Havia interesses muito distintos sendo defendidos da forma mais acalorada possível. Flaviano mantinha-se com o queixo escorado à bengala. Olhava para baixo ou fazia um ou outro mungango, denunciando uma aceitação passageira com o que um ou outro ia dizendo.
Engenheiro Civil de formação, Flaviano Melo orgulhava-se de ter reverência às pesquisas eleitorais. “Eu não brigo com os números”, repetia sempre.
As polêmicas, as acusações, os acertos e os erros que forjaram a atuações de mais de 40 anos de vida pública renderam a Flaviano Melo a alcunha de “Velho Lobo”. Não se sabe ao certo quem cunhou a expressão pela primeira vez. Na imprensa local, é sempre dita em tom simpático como se se tentasse relacionar a astúcia e sagacidade próprias do animal quando jovem à experiência. É uma ideia diferente da expressão “Lobo Velho”. Esta soa pejorativa e plena de etarismo. Aquela se aproxima muito da imagem da prima Raposa, que tantas histórias renderam.