A atual direção da autarquia municipal de trânsito de Rio Branco, a RBTrans, entende que a última licitação para definição das empresas que operariam na Capital foi realizada ainda na gestão do ex-prefeito Isnard Leite. Vinte anos, quatro prefeitos e um contrato precário depois, o presidente da autarquia responsável pelo relatório técnico jurídico, Clendes Vilas Boas, diz que o processo está prestes a ser concluído.
“As minutas estão praticamente concluídas com o acompanhamento da Procuradoria Geral do Município”, afirma Vilas Boas. “Agora, serão encaminhadas ao Poder Executivo, para envio à Câmara de Vereadores para apreciação e votação”.
Vilas Boas não adianta a informação sobre quando, precisamente, esse trâmite iniciará. Quer deixar o prefeito apresentar a novidade. De fato, assegura que, no que depender da RBTrans, o processo será concluído em dezembro.
“A vontade do prefeito Tião Bocalom é clara: dar celeridade ao processo. Quanto à parte que cabe à RBTrans, estamos alinhados com esse objetivo e temos plena confiança de que nosso relatório técnico jurídico será concluído e finalizado ainda em dezembro, conforme previsto”, calculou Vilas.
A informação é recebida com ceticismo por parte da base aliada. Nenhum dos vereadores com quem a reportagem conversou acredita que o processo seja concluído agora em dezembro. “Essa é uma história velha”, disse um parlamentar com assento na Mesa Diretora.
Atualmente, o sistema de transporte coletivo de Rio Branco é composto por 105 ônibus em operação (incluindo 12 veículos articulados). É um número muito aquém do necessário para atender a 231 bairros da cidade. Metade da frota tem ar condicionado. “Ainda que o sistema não esteja ideal, estamos avançando com melhorias contínuas para implementar o melhor sistema de transporte coletivo para a cidade de Rio Branco”, avalia Vilas Boas.
A classe trabalhadora tem outra percepção do cenário avaliado pelo presidente da RBTrans.
“A pior fase do sistema está sendo essa agora”, afirma um trabalhador que não quis se identificar. Aliás, um problema diagnosticado pela reportagem foi o receio, o medo de falar dos trabalhadores sobre os problemas do sistema.
Diferente do que ocorreu em maio deste ano quando o site ac24horas tratou do assunto, agora em dezembro o clima é outro. Ninguém quer se identificar. O medo de ser demitido é constante. “A situação está muito difícil. Estamos tendo perdas salariais de 22 por cento.
Hoje, nós não temos garantia de nada no sistema”, avaliam
“E tem outra coisa”, encoraja-se um motorista do grupo. “Tem outra coisa que foi retirada de nós porque só tem valor se for por meio das convenções ou acordo coletivo que foi o intervalo: o trabalhador fica debaixo da ponte ‘tirando o intervalo’ parado duas horas e é fechado o cartão. Ele não ganha por isso, mas fica lá, vigiando o ônibus. Isso aí havia sido ajustado, mas voltou de novo com o problema. Vale alimentação: o repasse era feito dia 10.
Hoje, a empresa só repassa no final do mês e às vezes ainda passa para o outro mês. A cesta básica era entregue dia 20. Hoje, é entregue no dia trinta ou no último dia do mês”.
Outro trabalhador mais velho e calmo pontua. “A Prefeitura não se manifesta. A Prefeitura alega que é o contrato emergencial. Então, hoje, para o trabalhador, está difícil. Se você olhar, os carros todos velhos, quebrando direto: os trabalhadores não podem reclamar porque não têm outra opção. Só têm uma empresa”.
A falta de um fardamento foi outro ponto destacado. Usar roupas próprias, para quem não tem um guarda roupa recheado de opções, é um problema diário. Eles afirmam que estão sem fardamento há três anos.
As mudanças na legislação trabalhista, o enfraquecimento da relação entre os sindicatos e os trabalhadores e o contrato emergencial assinado pela Prefeitura de Rio Branco com a única empresa que opera na cidade deixam vulneráveis os cerca de 250 motoristas.
Sob um calor de quase 35ºC, barulho e fumaça dos ônibus, a calmaria de Benedito Sabino, 62 anos, destoa. Ele tem uma área de terra “coisa pouca” no Ramal Limoeiro, na Estrada do Quixadá, região rural de Rio Branco. Ele precisa vir com frequência à cidade buscar medicamentos para as duas filhas especiais e para a mulher que precisa de medicamentos do Hosmac.
“Eu não posso obrigar as pessoas a fazer o que tem que ser feito”, diz Sabino para explicar algo que a reportagem pediu para que ele repetisse porque pensava não ter compreendido o absurdo do que foi narrado. “Eu chego a andar dez quilômetros a pé, com essas moletas que você está vendo aqui porque muitos motoristas não fazem o trajeto que têm que fazer com medo de atolar o ônibus. Aí, eles param antes. E eu que siga viagem sozinho”.
Sabino assegura que já formalizou as reclamações a quem devia, mas nunca a situação mudou. Ele só se alegra quando lembra que um motorista é diferente dos demais. “O Motorista Izaías é o único que me ajuda”, entusiasma-se.
De fato, o Motorista Izaías é aquele tipo de profissional que, mesmo tímido, conversa com os passageiros. Ao perceber a presença de Benedito Sabino, desceu do ônibus e ajudou o homem corpulento, sustentado por duas surradas muletas a subir no coletivo.
Com 51 anos de idade, 30 de profissão. Dezenove deles dedicado ao sistema de transporte coletivo de Rio Branco. “Eu falo com ele o que eu gostaria que fizessem comigo ou com as pessoas que eu gosto”, ensina.
O ônibus que leva os usuários para o Ramal Limoeiro é o da linha Quixadá. O embarque é fora do Terminal Urbano, entre a obra do Mercado Elias Mansour e o pé de apuí onde ficam estacionados os mototaxistas.
A parada de ônibus suja, empoeirada, o calor, o sol de 11h30min, os ambulantes, os bêbados, os malandros e a desconfiança por todo lado. Só faltaram os adolescentes engraxates com cabelos raspados para lembrar o local de embarque e desembarque na Avenida Epaminondas Jácome nos anos 80, quando o sistema de transporte era municipalizado.
Sobre a postura dos outros colegas motoristas, Izaías abre um sorriso sem jeito. “Cada um age da forma que acha melhor. Eu faço assim. Muitos têm medo de encarar a lama”, desconversa.