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Lágrima com digital: não é apenas uma questão de polícia

Veio de Capixaba um exemplo que poderia ser avaliado com mais atenção por parte dos agentes de Segurança Pública do Acre. O delegado de Polícia Civil Aldízio Neto, diante de informações concretas e elementos factuais, teve a agilidade como instrumento de trabalho: acionou colegas delegados da Capital que, também de forma rápida, evitaram aquele que seria o oitavo feminicídio do ano.


A companheira de um determinado homem rompeu relacionamento. Dias depois, o sujeito é informado de que ela estaria se relacionando com outra pessoa. Foi o suficiente para que ele, sentindo-se traído, gravasse um áudio assustadoramente ameaçador, prometendo “arrancar o pescoço” da mulher e “pipinar” o corpo dela inteiro. Pipinar é um termo regional que designa “furar, cortar em diversas partes”, semelhante ao que se faz com o tratamento das carnes para inserção dos temperos.


O áudio, associado a depoimentos de testemunhas, foi suficiente para que o delegado reagisse. Era preciso rapidez. O feminicida em potencial foi preso em Rio Branco, no bairro Universitário. O itinerário da ação policial pode parecer banal. Mas não é: um delegado de uma cidade pequena pedir ajuda de outros delegados, de outra cidade, e essa outra equipe compreender a urgência da reação para que se evite uma morte… infelizmente, isso não é rotina. Sobretudo quando o algoz e a vítima são pessoas comuns, pobres, como tantos o são.


E é justamente a essa postura de trabalho em cooperação que o site ac24horas chama a atenção. É preciso que os gestores em Segurança compreendam a necessidade do trabalho integrado, para além das retóricas das declarações protocolares. A união de energias precisa acontecer na prática; precisa ser naturalizada como uma conduta rotineira de trabalho.


Outro ponto: as medidas protetivas precisam ser repensadas urgentemente. Da forma como o sistema de acolhimento à mulher vítima de violência está operando, a vulnerabilidade persiste. Uma mulher que formaliza o pedido de proteção às forças de Segurança continua tão vulnerável quanto antes.


Sintetizando de maneira quase vulgar: o homem que bateu e ameaçou é chamado à delegacia, leva carão, é orientado de que pode ser preso se se aproximar tantos metros da mulher. Esse homem sai da delegacia, muitas vezes, decidido a matar. E mata.


As necessárias audiências de custódia precisariam estar consorciadas com um sistema de proteção eficaz. Por exemplo: esse sujeito preso no Universitário que ameaçou a ex-companheira. Se ele for solto, a possibilidade de que ele execute o que anunciou no áudio é grande. A mulher, diante da possibilidade de liberação prevista em lei na audiência de custódia, precisa estar protegida pelo próprio sistema legal que possibilita a liberação do potencial algoz.


Neste caso hipotético, a responsabilidade direta pela morte não foi da Justiça que aplicou a legislação (como querem fazer crer alguns operadores da polícia). A responsabilidade foi da rede de acolhimento que não protegeu como deveria.


Entre janeiro de 2018 e 4 de novembro de 2024, ocorreram 76 feminicídios no Acre. No mesmo período, foram 111 tentativas de feminicídio. Os dados são do Ministério Público do Estado do Acre.


Outro número assusta: levando em consideração que 72% dos casos de feminicídio no Acre ocorrem dentro de casa, nas residências das próprias vítimas, quase 30% dos feminicidas não tinham qualquer antecedente criminal. É um dado significativo. E que dificulta muito uma possibilidade de atuação preventiva, atualmente quase restrita às forças de Segurança. Esse homem sem histórico de violência e sem antecedentes criminais torna-se feminicida por fatores alheios à rotina policial. Com ele, a ausência do poder público se concretiza mais na Educação; com ele, a falta de referenciais que desconstruam o sentimento de posse fundamentados na formação patriarcal que lhe moldou as entranhas faz germinar o assassino.


Há um outro detalhe que inclusive a imprensa precisa estar vigilante: o substantivo a ser usado nos textos, debates e defesas relacionados às questões de violência, vinculadas ao gênero, não é “tolerância”. O substantivo adequado é “respeito”. A relação adequada não é o dualismo “superioridade X inferioridade”. A relação necessária é “equidade”.


O Governo do Estado do Acre perde tempo e expõe mulheres (sobretudo as pretas, pardas e indígenas) ao não usar com sabedoria o acúmulo que já existe de experiência na Universidade Federal do Acre. A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública deveria instalar um Gabinete de Crise e investir recursos em estudos, pesquisas, debates: chamar, formal e institucionalmente, a Ufac para pensar estratégias e construir reações junto (frisa-se: junto) com as comunidades mais vulneráveis.


Isso é urgente. Não se resolverá o problema do feminicídio no Acre apenas com policiais. É preciso reagir com inteligência, racionalidade e vontade de resolver o problema. Isso não é ser “de esquerda” ou “de direita”. É ter a razão como referência e o senso de urgência com a coisa pública como principal mote para resolver uma injustiça que tem feito chorar tanta gente por aqui.


Não se resolverá o problema do feminicídio no Acre apenas com policiais


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