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O grito dos inocentes; a dor mais aguda da alma!

Por
Astério Moreira

Na terça-feira, dia 8, às 11h, Roberta Moura compartilhou no grupo de WhatsApp a pauta do programa Gazeta Entrevista, que incluía os nomes dos entrevistados. Nos dois primeiros blocos, o convidado foi o presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), desembargador Júnior Alberto, para discutir as eleições de domingo e seus respectivos vencedores.


No terceiro e último bloco, o coordenador do Morhan, Elson Dias da Silva (um convidado frequente do programa), para esclarecer a regulamentação da lei que garante indenização aos filhos que foram separados de seus pais devido à hanseníase, em um período sombrio e doloroso do passado.


Com Elson, havia um nome desconhecido para mim: Marilza de Assis Macedo. Naquele momento, eu não sabia que este encontro se transformaria em um dos mais memoráveis, com momentos que se gravariam eternamente em meu coração.


Deus havia preparado uma surpresa, transformando minutos em memórias inesquecíveis. Aquela mulher modesta, a Marilza Macedo, provocou um turbilhão de emoções ao revelar sua trágica história de dor, deixando uma marca emocional indelével em todos que ouviram seu relato no programa.


Marilza, cuja dor profunda permaneceu oculta em seu peito durante anos, foi separada de seu pai aos seis meses de idade em um seringal devido à hanseníase. Na cidade, ela sobrevivia com o mínimo, trabalhando como doméstica e sendo constantemente deslocada de um lugar a outro.


Eis o seu relato…


_ Meu pai foi tirado de mim aos 19 anos e eu tinha apenas seis meses de idade. Ele era um homem lindo, mas só vim a conhecê-lo vinte anos depois dilacerado pela hanseníase. Morávamos em um seringal, meu pai, minha mãe, uma irmã de dois anos e eu. Passou um homem comprando borracha, descobriu que meu pai estava doente (já não comprou mais a borracha). Depois vieram outras pessoas e o arrancaram de nós para sempre.


Nós nos mudamos para a cidade na esperança de encontrar melhores condições de vida, entretanto, minha mãe enfrentou dificuldades para conseguir trabalho devido à doença do meu pai, a hanseníase. Vivenciamos muitas adversidades. Meu maior anseio era estudar, contudo, só consegui aprender a ler aos 39 anos. Eu costumava reconhecer o ônibus que precisava pegar pelo motorista. No entanto, quando este era substituído, eu acabava me perdendo.


No estúdio, cada palavra era absorvida por um silêncio profundo. Ao narrar sua dor e sofrimento, nos tornamos cativos de seus sentimentos e tragédias. Havia um magnetismo emanando de suas palavras e expressões, manifestando uma força poderosa.


Em cada frase, uma emoção crua e visceral se desvelou, prendendo-nos em uma trama de vulnerabilidade e coragem. A intensidade era palpável, criando uma conexão e um retrato inesquecível de resistência humana.


O que nós e os espectadores do programa desconhecíamos era que a filha de Mailza Macedo estava presente no estúdio, registrando a entrevista da mãe com seu celular.


O ponto alto da entrevista ocorreu quando, em um momento de intensa dor e beleza, reminiscente das tragédias gregas, Mailza revelou sua experiência como empregada doméstica. Ela compartilhou:


“Uma noite, o irmão da proprietária da casa onde eu trabalhava abusou de mim. Quando mudei para outra casa, fui abusada novamente. Nunca revelei isso a ninguém, nem mesmo às minhas filhas”.


A revelação de Mailza, marcada por um passado repleto de abusos e silenciado, ressoou poderosamente como um grito de coragem e resistência, jogando luz sobre a dura realidade enfrentada por muitas mulheres na infância e juventude.


Lá estava a criança cruelmente separada dos pais devido à hanseníase, a menina que sonhava em estudar, mas era muito pobre, a jovem abusada e a mãe que confessou: “Nunca soube como dar carinho para minhas filhas, pois eu mesma não sabia o que era carinho”. Mailza permitiu-nos conhecê-la, compartilhando sua dor, que agora também se tornava nossa dor.


Ao expor os abusos, ela desviou o olhar de mim e da câmera, direcionando-o precisamente como uma flecha ao seu alvo: os olhos de sua filha no estúdio. Segui seu olhar e percebi a filha, em lágrimas, captando a tragédia e o sofrimento ocultos no coração de sua mãe que marejaram de lágrimas também. Naquele momento, uma mãe despedaçava seu coração, revelava suas entranhas ao mundo, mas, principalmente, à sua filha.


“Essa é a minha história, o meu sofrimento, onde estavam as autoridades que não perceberam isso?” Era seu apelo por todos os filhos de hansenianos separados de seus pais na infância. Ela lutou, não apenas por si mesma, mas para que suas filhas pudessem viver em um mundo mais justo e seguro.


A vida de Marilza foi uma batalha constante contra adversidades, privações e abusos. Seu anseio por educação, mesmo tardio, reflete sua força e resiliência. O amor reprimido pelos seus filhos, um eco da ternura nunca recebida. Ensinou-nos sobre a superação. Sua jornada, embora marcada por infortúnios, foi uma lição de vida inestimável, causando um impacto profundo e duradouro em todos nós.


Ao finalizar o programa, eu apenas consegui expressar: “Obrigado por partilhar sua história, sua dor e sua coragem”. Olhando novamente para sua filha no estúdio, notei em seu olhar um brilho diferente, uma profunda admiração por sua mãe, acompanhada de rara e bela expressão de amor. Ela me encarou, a face brilhando de orgulho e emoção. A conexão entre elas era tangível, um laço inquebrável entre mãe e filha. No Instagram ela comentou: “Essa é a minha mãe, o homem de quem ela fala, o meu avô”.


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Astério Moreira

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