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O cinismo como arma política

Foto: Alexandre Cruz

Do fraco debate entre os candidatos a prefeito de Rio Branco, realizado ontem pela TV Acre/Rede Amazônica, uma passagem me chamou a atenção, ainda que rápida e perdida no meio de discussões rasas e infrutíferas: a tentativa do candidato Tião Bocalom de responsabilizar a ministra Marina Silva, o presidente Lula e as ONGs ambientalistas pelo desastre ambiental que presenciamos nos últimos meses no Acre. O que disse Bocalom reproduz o que o senador Márcio Bittar e a extrema-direita bolsonarista vêm dizendo desde o início da crise da fumaça.


A frase “O Acre tá pegando fogo. Cadê a Marina, o Lula e as ONGs?”, como se dissesse “Por que não aparecem para nos salvar?”, é uma típica falácia manipulativa. É igual, em gênero e cinismo, ao ladrão que, pego em flagrante, diz: “A culpa é dele (a vítima), que deu mole, vacilou.”


A fumaça que invade nossos pulmões e contamina o futuro da Amazônia e do Brasil não é obra do acaso, mas o resultado direto de escolhas da elite política que hoje controla o Acre e que, há anos, prioriza a devastação ambiental como pressuposto do “progresso”, sustentando um modelo de desenvolvimento ultrapassado, violento e concentrador de riquezas. É chocante ver figuras como o prefeito Tião Bocalom e o senador, que sempre incentivaram o desmatamento e as queimadas, agora posando de indignados. É uma demonstração de cinismo que chega a espantar.


Eles, que historicamente atacaram os órgãos ambientais e criminalizaram ONGs e ativistas que lutam pela preservação da floresta, agora tentam transferir a culpa para quem, ao contrário deles, sempre lutou para que não chegássemos a este ponto. É de um absurdo atroz, vindo de quem sempre protegeu a atuação de grileiros e devastadores em geral, enquanto desacreditavam quem defende um modelo de desenvolvimento que respeita o meio ambiente e se fia nos achados mais recentes da ciência sobre a relação entre desflorestamento, perda de biodiversidade e mudança climática.


O problema vai muito além da fumaça. Tem a ver com crime ambiental e grilagem de terras públicas. É o ato deliberado de tacar fogo na mata seca, gerando queimadas monumentais para produzir pastos em terras públicas, como forma de tomar posse do patrimônio de todos nós. E não há como negar que a extrema-direita acreana, alinhada ao bolsonarismo, facilitou a degradação ambiental que agora enfrentamos, desmontando as estruturas de controle e fiscalização ambiental e criando um clima de “ódio” à natureza e a todos que se dispõem a defendê-la.


O que eles fizeram em quatro anos, que se tornam seis quando somados aos dois do governo neoliberal de Temer, foi tão brutal e destrutivo que jamais poderia ser revertido em um ano e meio de governo Lula. Eles sabem disso. Essa era a intenção. Mas, na lógica malandra dessas pessoas, o que conta é a “narrativa” e não o fato em si.


O que se espera de Bocalom, prefeito em busca de reeleição na maior cidade do estado, é uma postura mais coerente e responsável. Ǫue tenha a dignidade de reconhecer o impacto de suas posições e pregações. Se acredita no modelo de desenvolvimento que substitui floresta por pasto e soja, que o diga abertamente e assuma a tragédia ambiental que está aí como efeito colateral, dando ao povo o direito de decidir se quer seguir apoiando tal proposta. Agora, culpar aqueles que lutam por um futuro sustentável é desonesto e oportunista. É como o ladrão que culpa o vacilo da vítima, como dito antes.


O que fazem figuras como Marina Silva, ONGs e ativistas ambientais é defender um modelo que valoriza a floresta em pé e busca compartilhar a riqueza gerada pela economia, apostando no uso sustentável dos recursos naturais e em justiça social. Enquanto isso, Bocalom e seus aliados atuam no sentido contrário, desmontando a capacidade de resposta dos órgãos ambientais e protegendo, direta ou indiretamente, quem destrói a floresta e enriquece à custa da saúde de quem tem que respirar fuligem de queimadas meses a fio.


É mais que chegada a hora de esses políticos pararem de se esconder atrás de discursos vazios. Ou assumem a responsabilidade pelo caos ambiental que ajudaram a criar ou, no mínimo, reconheçam que seu modelo de desenvolvimento leva à destruição da Amazônia. Infelizmente, não há mais espaço para fugir das consequências. Nem para eles, os políticos, nem para nós.