Entrevistado do Roda Viva de segunda (23), Antonio Fagundes deu sua visão sobre a onda de sequências e remakes que toma conta do mercado audiovisual brasileiro. O veterano, que vai estrear em breve o filme Deus Ainda É Brasileiro, acredita que a falta de investimento em criação e formação de atores é a grande vilã do entretenimento atualmente, o que leva à necessidade de apelar para obras já bem-sucedidas.
“Não sei te dizer o que aconteceu, mas parece que as pessoas pararam de investir na criação. O que aconteceu com a televisão brasileira é uma coisa interessante de a gente observar”, começou.
“Foram décadas de ouro na teledramaturgia brasileira, mas aquilo não surgiu do nada, aquilo foi sendo formado. A própria TV Globo investiu muito, durante décadas, na formação dos seus artistas –e não só na criação de textos, na direção, na produção, nos cenários, nos figurinos, na interpretação”, observou o veterano.
Eu passei 44 anos na TV Globo, e eu posso dizer que a minha formação se deve a esse processo de investimento de uma grande empresa em cima dos criadores. Nós não podemos fazer do nada com que isso apareça, não é do nada. O que está acontecendo agora, nós só vamos colher os frutos daqui a 30 anos. Por isso que está tendo essa coisa louca.
Fagundes não compreende as razões pelas quais a Globo se desfez de seu cartel de novelas, formado por atores e autores renomados, que funcionou tão bem durante 60 anos na TV aberta. “É claro que eles vão ficar órfãos. É claro que não vai dar certo”, ponderou.
Ele, inclusive, acha que a TV aberta é um veículo extremamente poderoso, do qual não se pode abrir mão sob nenhuma hipótese. “A TV aberta é muito forte. Tudo bem que têm outros veículos por aí, mas, por favor, não se desfaça dela. É a mesma coisa que, porque tem internet, a gente queimasse todos os livros. Não, pode conviver, deve conviver”, comentou.
“Aliás, são exercícios de leitura diferentes –o que você lê num e-book, você não lê num livro físico. Então, é diferente essa experiência, digamos assim. A gente se desfazer de uma experiência que está dando certo há milênios só porque veio outro veículo é uma burrice insustentável, não consigo entender isso”, disparou.
“Abrir mão da TV aberta, num programa que dá 20% de Ibope… 20% do Ibope é não sei quantos milhões, 40, 50 milhões de pessoas. Não pode jogar fora isso”, acrescentou.
A âncora Vera Magalhães relembrou que a Globo tinha oficinas de atores, autores e roteiristas –a última, inclusive, a empresa vai retomar como parte do seu plano de investimento de criação, com um espaço que inaugurou na última semana. O princípio da formação continuada, no entanto, se perdeu para o resto dos contratados ao longo dos anos.
“A gente tá aí agora com as biografias todas do Aguinaldo Silva, do Gilberto Braga [1945-2021], dos criadores desse momento de ouro da TV brasileira. Se você for ler, para começar a novela das oito, eles se preparam 20 anos”, contou.
“Foram estagiários, trabalharam como assessores da Janete Clair [1925-1983], fizeram novelinha das seis adaptando, passaram para novela das sete. Até chegar à novela das oito, eles levaram décadas. Foram se formando lá dentro, então é claro que funcionou. Eles tinham talento também, mas tiveram a oportunidade de ir formando esse cartel de criadores”, afirmou.
O ator, inclusive, não acha que o cartel tão restrito de novelas da Globo era algo necessariamente ruim. “É como o teatro, por exemplo. No teatro você tem um limite de casas de espetáculo, algumas pessoas vão ser excluídas mesmo. Aqueles autores estavam funcionando, e eles não viam necessidade de testar outros. Mas, mesmo assim, eles iam testando, porque cada autor daqueles que estava dando certo tinha seis ou sete colaboradores, que estão aí escrevendo hoje”, disse.
“O que aconteceu é que esse processo foi interrompido, e agora aqueles seis ou sete autores que poderiam estar assumindo o lugar deles, precisam de mais alguns aninhos para se aperfeiçoarem e poderem assumir o lugar desses que saíram e não foram permitidos para fazer isso”, justificou.
Fagundes volta à TV?
O artista relembrou que ficou durante quase cinco décadas na Globo sendo protagonista de novelas renomadas. No entanto, ele havia imposto uma condição à emissora que a rede não quis mais abraçar, o que o fez deixar de vez as novelas.
“Eu, quando entrei na televisão, entrei querendo fortalecer meu trabalho no teatro. Eu queria que meu trabalho no teatro fosse visto por um maior número de pessoas, dentro das limitações que um teatro tem, mas eu queria saber que, se eu entrasse com um espetáculo bom em cartaz todos os dias eu ia ter um público interessado em me ver”, explicou.
“A televisão me fez isso, fez com que eu fosse conhecido no país inteiro. Posso dizer no mundo inteiro”, acrescentou. “Mas, a condição para eu fazer televisão quando eu entrei, era de que o teatro não fosse interrompido de jeito nenhum. Eu só gravava nas folgas do espetáculo, às segundas, terças e quartas”, explicou.
“Eu talvez tenha sido o único ator de televisão que conseguiu esse acordo com a TV Globo, e eu fiz isso durante 44 anos. Todas as novelas que eu fiz eram muito difíceis, que eu ia para o Araguaia, para Ilhéus, e eu era o protagonista absoluto da grande maioria delas e nunca aconteceu nada comigo lá. Quando eles resolveram mexer nessa regra, eu resolvi sair”, lamentou.
Questionado se ele descarta uma volta às novelas, Antonio Fagundes soltou na lata: “Do meu lado, não. Mas do deles, sim. Porque eles não querem mexer nesse acordo que eles têm com os atores de disponibilidade 24 horas por dia”, afirmou.
Se fechasse um contrato para uma obra, ele reforçou que gravaria apenas às segundas, terças e quartas, e não aceitaria outra condição.
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