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Para ser Pop e ser tudo, é preciso existir

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Editorial ac24horas

É preciso ser direto: o ambiente político partidário construiu uma insanidade generalizada no país. E isso elevou a temperatura de forma inédita em todo canto por aqui. No interior de São Paulo, 45 cidades queimaram grandes áreas rurais de forma praticamente sincronizada. Em Rondônia, grileiros contrataram 60 capangas e invadiram a terra do povo Wari, na Aldeia Linha 24, na comunidade Igarapé Lage. Como os “parentes” se recusaram a sair da área cobiçada, os criminosos tocaram fogo. Entre Cruzeiro do Sul e Mâncio Lima (no interior do Acre), em uma comunidade chamada Alto Pentecoste, um incêndio de grandes proporçes faz arder a floresta há duas semanas.


O governo brasileiro já detém a informação: as queimadas registradas por imagens de satélite identificaram que 85 de cada 100 focos de incêndio no país estão em propriedades privadas. Já foram abertos 52 inquéritos para apurar suspeitas de crime ambiental. E esse número revela muito da reação tímida que o Governo Federal tem tido, apesar do Ministério do Meio Ambiente.


O MMA mantém 900 profissionais combatendo incêndios no Pantanal, auxiliados por 18 aeronaves e 51 embarcações que se arrastam entre os bancos de areia dos rios da região. Aqui na Amazônia, são 1468 brigadistas do Ibama e ICMBio brigando com o fogo. No Cerrado, 436 profissionais do Ibama e ICMBio são auxiliados por aeronaves do Governo Federal para combater as consequências das ações (possivelmente) criminosas. Esses são dados oficiais do MMA. Isso são números de quem está tentando apagar o fogo, mas não se pode dizer que o ministério está apenas reagindo aos incêndios.


A criação do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado desautoriza essa afirmação. A 4ª fase do PPCerrado foi lançada em 29 de novembro de 2023. Vale lembrar que o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas foi apresentado à agenda pública em 2010. Desde então, o plano tem sido ajustado, aperfeiçoado. Portanto, há uma ação concreta de prevenção, de antecipação ao quadro que agora se vive.


A questão é outra. A “timidez” do Governo Federal tem outro fator causal. O combustível que alimenta o caos é político. E a última agenda do presidente Lula em Manaus revelou isso de forma muito clara. Ao mesmo tempo em que o presidente declara que vai criar a autarquia Autoridade Climática, ele anuncia que vai retomar a construção do trecho do meio da BR-319. A história do país já demonstrou que estradas são vetores poderosos de desmatamento com o objetivo de especulação imobiliária. Relacionado à atividade pecuária, aqui na Amazônia, esse roteiro tem 80, 90 anos aproximadamente. As consequências de uma estrada não são novidade.


Com algumas doses de realidade na forma de olhar o problema, é possível ver que o MMA está isolado. Não há uma ação coesa que costure a rotina do Gabinete Civil, da Secretaria de Relações Institucionais, das Minas e Energia, dos Transportes. Na retórica, a figura de Marina Silva sempre merece destaque, mas, na prática, o desejo do governo é sempre pelejar por uma estradazinha aqui e outra acolá ou uma exploraçãozinha de petróleo mais adiante. “Quais escolhas nós iremos fazer?”, perguntou Marina Silva na última passagem pela Comissão de Meio Ambiente do Senado.


Na ocasião, ficou evidente a pouca afinidade de Marina Silva com a retomada do projeto de pavimentação da BR-319 que o patrão dela, dias depois, anunciou em uma agenda oficial em Manaus. Essas contradições internas não são inéditas para Marina. Nem poderiam ser. O problema é que essa postura dúbia, de um presidente que sabe o que precisa ser feito, do ponto de vista da sustentabilidade ambiental, mas recua diante da agenda desenvolvimentista, embala uma parte do Congresso Nacional que ele precisa mimar. Para Lula, é estratégico a necessidade de flertar com o “desenvolvimentismo”. E isso deixa as reações do Governo Federal lentas e, ao menos na prática, desarticuladas.


Ainda não foi percebido pela sociedade brasileira (e pela classe política em especial) que a agenda da sustentabilidade ambiental extrapolou as referências político-ideológicas. Independente de ser conservador ou progressista; independente de dirigir caminhonete gigante dentro da cidade, com chapelão na cabeça e forçando o sotaque caipira do interior de São Paulo (e achando lindo) ou andando de bicicleta, defendendo agendas identitárias e comendo comida vegana, todos precisam ser “sustentabilistas”.


O Ipam e o MapBiomas já fizeram os cálculos: desde 1985 foi queimada uma área de quase 90 milhões de hectares do Cerrado. Isso equivale a 44% da área total do bioma. Na passagem pela Comissão de Meio Ambiente do Senado, Marina Silva lembrou que a savanização da Amazônia (que acontecerá com 25% do desmatamento da região) provocará um desequilíbrio climático muito maior do que o atual e em escala global. Isso inviabiliza tudo. Mas o Congresso parece não querer enxergar isso. E, infelizmente, o Acre tem contribuído com a cegueira.


Lamentável perceber que a bancada acreana no Congresso demonstra não ter qualificação para o debate. E, quando se posiciona, o faz quase com um isqueiro em punho. O que os parlamentares gostam mesmo é de defender o X, criminalizar o Judiciário e pedir anistia para a turma do “8 de janeiro”. O problema é que para “ser Pop e ser tudo” é preciso, antes, existir.


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