A pesquisadora do campus Floresta, da Universidade Federal do Acre, em Cruzeiro do Sul, Sonaira Silva, elaborou o Relatório Alerta de Queimadas. O recorte é feito até 31 de agosto de 2024 e utiliza dados dos satélites Landsat 8 OLI e Sentinel 2. No Acre, aponta o estudo, apenas 2% das queimadas ocorrem em terras indígenas.
A maior parte das queimadas (59%) ocorre em propriedades privadas, em terras públicas federais ou estaduais. Projetos de assentamentos respondem por 26%; unidades de conservação (como a Resex Chico Mendes, por exemplo) são responsáveis por 12% da queima.
De acordo com o estudo, 29% das queimadas ocorrem em áreas de desmatamento recente (últimos dois anos) e 71% da queima ocorrem em área de pastagem e agricultura.
Em um dos mapas divulgados no relatório, fica evidente o “corredor do fogo” margeando a BR-364, sobretudo na região dos municípios de Tarauacá, Feijó e Cruzeiro do Sul. Nessas três cidades, o desmatamento também fica evidente no mapa. “Foram identificados 68.940 hectares de cicatrizes de queimadas e 800 hectares de incêndios florestais”, informa o relatório.
A imagem registrada pelo Alerta de Queimadas aponta uma presença ainda não registrada com tanta intensidade: a “subida” das queimadas para as cabeceiras dos rios em regiões isoladas. Pelas imagens, comunidades ao longo do Alto Rio Purus, em Santa Rosa; Rio Tejo e até mesmo no distante Rio Breu, em Marechal Thaumaturgo, estão queimando. Ao longo do Rio Envira, em Feijó, é flagrante o uso do fogo captador pelas imagens dos satélites. Na região de fronteira do Alto Acre, o mapa também mostra a fonte da “fumaça importada” da Bolívia.
Esse fenômeno de “interiorização da queima” para áreas de floresta aponta para um cenário preocupante. Áreas que hoje estão sendo queimadas, no futuro, a comunidade deve aumentar pressão política para que o Estado “construa infraestrutura para escoamento da produção”. Construir infraestrutura, nesse caso, é sinônimo de construir estrada.
Caso isso ocorra, é mais um vetor de desmate e especulação imobiliária em regiões que há até pouco tempo estavam conservadas. Problema semelhante ocorreu na cidade de Porto Walter. À revelia da legislação, foi construída uma estrada ligando o município à cidade de Cruzeiro do Sul.
Na região de Manoel Urbano, chama atenção o desmatamento. Não há recorte no relatório sobre os elementos causais do problema. No município, com incentivo do Governo do Estado, atua uma empresa de extração de madeira.
De acordo com o relatório Alerta de Queimadas, o município de Feijó concentra 25% dos focos de incêndio do Acre, alcançando algo em torno de 16,4 mil hectares transformados em cinzas. Em segundo lugar, com 12% das queimadas do Estado, Rio Branco, com 800 hectares queimados. Tarauacá concentra 11% e Cruzeiro do Sul 10%.
Cruzeiro do Sul, Tarauacá e Feijó somam 46% das queimadas do Acre. É quase metade do fogo gerado no Estado, concentrada em apenas três cidades. Isso, em tese, deveria facilitar a reação das forças de Estado no que se refere à punição.
Os incêndios florestais são evidências sensíveis da gravidade do cenário dessa estiagem. O fogo não é parte natural do bioma Amazônia. Registro de incêndios em áreas de floresta tem como causa ou ação humana criminosa ou unidade relativa do ar tão baixa ao ponto de permitir fagulhas que iniciem um foco, semelhante ao que ocorreu em algumas situações muito específicas no Cerrado brasileiro.
Nesse ítem, mais uma vez, as terras indígenas demonstram ser um oceano verde de proteção contra o fogo. Apenas 1% dos incêndios florestais do Acre foram registrados em terras indígenas. Propriedades privadas, terras federais ou estaduais concentram 40% dos incêndios florestais. As Unidades de Conservação tiveram responsabilidade por 22% dos incêndios florestais.
O relatório Alerta Queimadas fez um recorte do dia 1º de julho a 26 de agosto. Nesse período, a cidade que ficou por mais tempo com o ar “inadequado” foi Manoel Urbano. Foram 44 dias com pessoas e animais inalando ar com presença de partículas acima do que recomenda a Organização Mundial da Saúde.
Assis Brasil, com 41 dias; Rio Branco e Porto Acre com 39 dias; Santa Rosa do Purus, com 38 dias; e Cruzeiro do Sul com 19 dias foram os destaques apresentados pelo estudo.
O estudo da professora Sonaira Silva foi financiado pelo CNPq, pelo Ibama e pelo projeto PrevFogo.