Estamos respirando fuligem de queimadas. O ar está contaminado como jamais esteve. Em muitos dias, em Rio Branco, respiramos um ar de quinze a vinte vezes mais poluído que o limite considerado razoável para a saúde humana, segundo padrões da Organização Mundial de Saúde. A exposição contínua a tamanha contaminação pode ter consequências devastadoras para idosos, crianças e pessoas com problemas respiratórios. Segundo a iniciativa Médicos Pelo Ar Limpo (@medicospeloarlimpo), pneumonia, asma, infarto do miocárdio, AVC, rebaixamento do sistema imunológico e até alguns tipos de câncer estão associados à inalação persistente de ar contaminado. A OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde) afirma que mais de cinquenta mil pessoas morrem anualmente no Brasil por problemas respiratórios. No curto prazo, os sintomas mais comuns são dor de cabeça, garganta irritada e uma sensação constante de mal-estar.
A Amazônia passa por uma seca severa. Grande parte do Brasil enfrenta situação semelhante, ainda que com diferenças entre os biomas. No estado do Amazonas, mais de sessenta cidades já decretaram estado de emergência. O governador Gladson Cameli reconheceu a emergência ambiental ainda em junho, e desde então a situação só tem piorado. E tudo indica que vai se agravar ainda mais nas próximas semanas.
Especialistas dizem que a seca deste ano foi agravada pela forte estiagem do ano passado, já que a floresta não se recompôs com as chuvas do último inverno, que ficaram abaixo da média. O resultado é o que estamos vendo: fogo se alastrando facilmente nas áreas já abertas e até mesmo em florestas primárias. O problema, que já é trágico por si só, se agrava ainda mais com a atitude daqueles que “aproveitam” a fragilidade da natureza para realizar seus instintos mais primitivos: “tacar fogo no mato”.
Alguns dizem que precisam do fogo para limpar áreas de plantio. Pessoalmente, desconfio disso. O pequeno produtor já dispõe de meios para evitar a queima, e os grandes proprietários sabem que o fogo degrada o solo, tornando-o ainda mais caro de recuperar. O mais evidente é que estamos respirando ar sujo porque grileiros e desmatadores querem se apropriar de terras públicas, abrindo pastos. Esses criminosos transformam nossas vidas em um inferno para fazer “benfeitorias” em posses que serão regularizadas em algum cartório corrupto nas imediações. Assim se desenrola a ocupação da Amazônia.
O que está sendo feito para conter esse saque criminoso? Que providências serão tomadas para evitar que, ano após ano, nossa saúde se deteriore ainda mais com a inalação de fuligem? Pelo que se vê, a única medida é sobrecarregar ainda mais os bombeiros, que estão na linha de frente combatendo incêndios. Campanhas de conscientização não têm o menor efeito. Orientações sobre cuidados com a saúde tampouco. Todas essas são ações que “enxugam gelo”. Diante da ganância de criminosos, nada disso oferece uma perspectiva de melhora. Quem comete crimes de apropriação de terras públicas e degradação ambiental sabe que o risco compensa, pois a recompensa é a terra abundante que será negociada por bons preços mais adiante. Esses criminosos acreditam na impunidade e no lucro fácil, contando até com a conivência de autoridades, especialmente de políticos que os retratam como “pobres produtores do agro perseguidos por tiranos defensores do meio ambiente”.
Dia desses vi na televisão um candidato a prefeito fazendo esse tipo de discurso. Cínico, jogando a culpa da poluição em quem luta para evitá-la, enquanto ele, um conhecido incentivador do desmatamento e das queimadas, tira o corpo fora.
Seguindo assim, não há o que esperar de diferente. Preparemos nossos narizes e nosso sistema imunológico para suportar o impacto, cientes de que essa é uma escolha que, com nossa indiferença ou escolhas ruins, estamos colaborando para que aconteça.