O pesquisador sênior do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Evandro José Linhares Ferreira, foi entrevistado na tarde desta quarta-feira (11) pelo jornalista Roberto Vaz, no programa “Bar do Vaz”, transmitido pelo ac24horas. Durante a conversa, Ferreira abordou temas como os desafios enfrentados pela Amazônia em questões ambientais e de pesquisa científica, além de compartilhar suas perspectivas sobre a situação da floresta amazônica.
Ferreira começou explicando a gravidade da situação atual que passa pelo aumento no número das fumaças, focos de incêndio e as crises hídricas que atingem os principais rios que cortam o Acre. “Em 2024, estamos enfrentando uma seca extrema, comparável à de 2023, que também foi severa. Se olharmos para trás, há dez ou quinze anos, os focos de calor e incêndios ocorriam predominantemente na região do Vale do Acre, mas hoje, o município mais afetado fica no centro do estado, uma área que historicamente não sofria tanto com incêndios. Isso é algo alarmante, pois os focos de calor detectados por satélites estão ocorrendo em todo o Acre.”, destacou.
O pesquisador apontou um aumento significativo nos incêndios no estado: “A quantidade de focos de calor em 2024 aumentou mais de 40% em relação ao ano anterior. No Brasil como um todo, o crescimento foi de mais de 100%. Isso se deve à seca que favorece a ocorrência de incêndios. Pequenas faíscas, como uma bituca de cigarro jogada à beira da estrada, podem ser suficientes para causar um incêndio em áreas onde a vegetação está extremamente seca.”, salientou.
Durante a entrevista, Ferreira também discutiu a dificuldade de conter os incêndios, que se alastram rapidamente devido à seca intensa e à natureza da vegetação local. “Aqui no Acre, temos uma floresta aberta, que permite maior penetração de luz solar no solo, o que aquece o interior da floresta e facilita o surgimento de incêndios. Combinado com a queda natural das folhas, o solo da floresta acumula um colchão de material inflamável, tornando mais fácil que o fogo se espalhe”, afirmou.
Outro ponto levantado por Ferreira foi a falta de recursos para o combate ao fogo: “A mão de obra disponível para combater incêndios na floresta é muito limitada. Dependemos de brigadistas treinados e recursos que, muitas vezes, vêm do governo federal. No entanto, mesmo com treinamento, a tarefa é extremamente difícil. Combater incêndios florestais não é para qualquer um; é uma tarefa complexa que exige conhecimento e estrutura adequada.”, destacou.
A entrevista também abordou os efeitos das mudanças climáticas, como a escassez de chuvas, que agrava a situação na região. “A seca de 2023 foi severa, e o período de chuvas que deveria ocorrer no início de 2024 não foi suficiente para repor os níveis normais de umidade. Isso deixou os rios secos, como o rio Madeira, que está praticamente sem água. Essa falta de chuvas prolongadas exacerba a situação, tornando ainda mais difícil combater os incêndios e proteger a biodiversidade.”, comentou.
Em relação à crise climática global, Ferreira lembrou o Acordo de Paris e criticou a falta de ações efetivas: “Em 2015, os países se reuniram e estabeleceram metas para limitar o aquecimento global, mas estamos falhando. A meta era manter o aumento da temperatura média global abaixo de 1,5 graus, mas entre julho de 2023 e junho de 2024, o aumento foi de 1,65 graus. Isso mostra o quão longe estamos de controlar a crise climática, e os impactos são visíveis em todo o planeta, inclusive aqui na Amazônia.”
A conversa também abordou as consequências políticas e econômicas da degradação ambiental. “O Brasil está em chamas, não apenas no Acre, mas em outros estados da Amazônia e no Cerrado. O que estamos vendo agora é uma emergência ambiental de proporções nacionais, e se não houver uma resposta eficaz, pagaremos um preço alto, não apenas ambientalmente, mas também economicamente, com impacto no fornecimento de energia, como já estamos vendo com as usinas do rio Madeira operando com capacidade reduzida devido à seca.”, salientou.
Ferreira destacou a importância de políticas sustentáveis na exploração da madeira e a evolução do manejo sustentável. “Antigamente, 15, 20 anos atrás, era tudo ilegal. Hoje, cerca de 70% da madeira extraída na Amazônia vem de planos de manejo sustentável. Muita gente não entende, por exemplo, que, às vezes, quando passa um caminhão cheio de tora de madeira, a maior parte já está devidamente documentada. A madeira passa por todo um processo de inventário antes de ser extraída”, explicou o pesquisador.
Um dos outros temas discutidos foi a questão das queimadas e a origem da fumaça que atinge o estado do Acre. “Muita gente acredita que a fumaça vem da Bolívia, mas boa parte dela é nossa. Contribuímos para isso com pequenas queimadas em nossos quintais, mas também não podemos ignorar o fato de que uma grande parcela vem do sul do Amazonas, onde o desmatamento tem avançado”, afirmou Ferreira.
O pesquisador destacou o impacto do desmatamento no ecossistema e alertou para as consequências climáticas que a região pode enfrentar nas próximas décadas. “A Amazônia já perdeu cerca de 730 mil quilômetros quadrados de floresta, o que é equivalente a 74 vezes o tamanho da maior reserva extrativista do Acre, a Chico Mendes. Estudos indicam que, se o desmatamento atingir 25%, a recuperação da floresta pode não ser mais possível”, explicou.
Ferreira também alertou para as mudanças que podem ocorrer no bioma amazônico. “Aqui no Acre, estamos numa zona de transição. Se a temperatura continuar subindo e o período seco se expandir, a floresta vai começar a se transformar lentamente em cerrado. Isso já é previsto para o ano de 2100, e o impacto será devastador para a economia local e a biodiversidade”, alertou.
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