Setembro mal começou e já se vão 755 focos de calor (queimadas). Nos 31 longos dias de agosto foram 1997. Nesse ritmo, o Acre vai ultrapassar os 3 mil focos com facilidade até o fim de mês. Tudo bem que é preciso aceitar o que as imagens do Instituto de Pesquisas Espaciais mostram: parte dessa fumaça toda é, de fato, “importada”.
Vem da Bolívia, sobretudo. E o que a Bolívia faz para produzir tanta fumaça? Ora, leitor. Assim como o Peru, parte da Bolívia tem uma geografia marcada por um “grande muro”. Enorme. É um muro que dita parte da Cultura de tudo o que acontece por ali. A Cordilheira dos Andes é soberana.
Mas, ao “pé do muro”, como quem quer “descer a ladeira” saindo do alto e querendo banhar-se por aqui, o viajante vai se deparar com o que os geógrafos apelidaram de “planície amazônica”. Ali, como o nome deixa claro, é uma região plana. Retirada a cobertura florestal, fica com a mesma “fotografia” da região do Vale do Rio Acre. A cena é, praticamente, a mesma em muitos sentidos.
Na região de Santa Cruz de La Sierra, a cidade mais populosa do país, invasões de terras públicas, concentração de renda, pobreza para muitos, riqueza para poucos, eventos climáticos extremos, presença destacada de estrangeiros no mercado imobiliário rural, desmatamento e queimadas.
É uma lista que pode compor a rotina de uma extensa faixa de terra do lado de cá da fronteira, do Acre ao Mato Grosso do Sul, passando pelo Sul do Amazonas, sem nenhuma dificuldade. A “fotografia” é a mesma.
Não à toa, as exportações de carne bovina produzida nessa região boliviana dispararam de 2019 para cá, quando a Bolívia passou a comercializar com a China. No início, foram apenas 48 toneladas (em agosto de 2019). Em 2012, foram 1.174 toneladas (o que rendeu US$ 6 milhões). Só no primeiro semestre de 2023, a Bolívia já tinha exportado 17.542 toneladas de carne bovina para a China, o que rendeu US$ 82,5 milhões. Esses números foram oficialmente publicados pelo Instituto Boliviano de Comércio Exterior, uma espécie de “Apex boliviana”. A China, atualmente, é responsável pela concentração de mais de 80% das exportações bolivianas.
E boa parte desses números é gerada onde? Exatamente, atento leitor. Boa parte desses números é gerada na “Planície Amazônica” boliviana, a região do outro lado da cerca acreana. Em 2022 e 2023, a Bolívia foi um dos países que mais desmatou no mundo. E isso não guarda nenhuma relação com aspectos ideológicos deste ou daquele partido, ou governo. A entrada da Bolívia no mercado chinês, por exemplo, foi celebrada pelo então governo de Evo Morales, em 2019.
Esse cenário da vizinha Bolívia é importante ser apresentado para que o leitor perceba que o problema sobre “desenvolvimento” e “crescimento econômico” na região amazônica não é uma exclusividade brasileira e nem acreana. Os governos (e em boa parte, as sociedades de uma maneira geral) não têm dúvidas sobre o que deve ser feito quando os fatores da equação são conservações, preservação ou crescimento econômico.
A presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na Comissão de Meio Ambiente do Senado esta semana, foi importante para que o país visse os dados concretos: não houve, por parte do Governo Federal, negligência no que se refere às políticas de prevenção ao fogo. É preciso ser justo. Ela mostrou os números. Um deles é fatal: 32% dos atuais incêndios ocorrem em área de floresta. E floresta primária. E floresta primária, o leitor estudioso vai se lembrar que não pega fogo com qualquer riscado ou relâmpago. É preciso uma decisão humana para a queima.
Enquanto isso, o acreano médio, que trabalha em um escritório de contabilidade, na secretaria de uma banca de advogados, que dá aula em escola pública ou trabalha em hospital, ou no comércio vai sentindo o peso do “crescimento econômico” invadir o peito dele e dos filhos e da mãe que envelhece com dificuldade de respirar. É o acreano que precisa suar a camisa por 30 dias para receber um salário, geralmente, mínimo. Nesse tipo de gente, o peito cheio de fumaça não enche o bolso. Essa diferença é tudo.
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