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Dia da Amazônia x Dia do Fogo: a vida por teimosia

FOTO DE SÉRGIO VALE

O Acre está, perigosamente, normalizando o caos. É repleta de pretensões a naturalidade com que alguns tentam defender a ideia de que essa fumaça que encobre boa parte da região “é normal nessa época do ano”. A afirmação é plena de cálculos. Não é normal e muito menos natural. No agosto mais quente da história, com 27 mil focos de calor em todos os estados da região, o Dia da Amazônia (5 de setembro) vem cheio de complexidade e problemas a serem equacionados e resolvidos.


É preciso lembrar, inicialmente, que a escolha do dia 5 para celebrar a região não foi fortuita. Foi uma decisão política de confronto; uma postura de enfrentamento do movimento ambientalista, acadêmicos e da classe trabalhadora contra a expansão da fronteira agrícola do país para o Norte. Dia 5 de setembro é uma referência do pico das queimadas: o auge da atuação daqueles que observam a floresta como um obstáculo ao crescimento econômico. Era preciso um símbolo. Aliado à data histórica da criação da Província do Amazonas, encontrou-se o dia adequado.


O Dia da Amazônia de 2024 está sob ataque, como sempre esteve. Mas há particularidades nesta edição. O ataque agora é exponencialmente mais forte, coeso. O que antes estava restrito a um nicho que atentava contra a existência de toda forma de vida na floresta para expansão de quatro ou cinco produtos agrícolas, hoje esse grupo se transmutou: tem várias caras, tem várias rendas, está em vários cenários da Política e da Economia do país.


A óbvia desconfiança de que os episódios no interior de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Rondônia tenham sido incêndios combinados obedece apenas a uma formalidade jurídica: é preciso ter a prova (ainda inexistente).


Mas o que a formalidade do processo legal exige, a lida de quem trabalha com pesquisa e com a Política dá um sorriso de canto de boca e tira de letra. No interior de São Paulo, muitos focos aconteceram intervalo de apenas 1h30min. É coincidência demais para que não tenha havido orquestração.


Mas se o objeto do editorial é o Dia da Amazônia, por que citar o interior de São Paulo? Na verdade, uma prova de maturidade em relação às questões ambientais é fazer avaliações globais, esféricas. Foi-se o tempo em que se analisava o cenário de forma isolada, observando cada bioma separadamente.


Não é mais possível que a preocupação esteja centrada em saber se a fumaça que se respira no Acre é “importada” ou não. É necessário identificar onde está o foco e apresentar a digital de quem queimou, onde quer que essa pessoa (ou grupo) esteja. A óbvia orquestração para que o Dia do Fogo seja um contraponto político ao Dia da Amazônia; ou para que fique para os anais da história que neste Governo X queimou-se mais que no Governo Y é um movimento insano. Todos perdem com isso.


Esse é um assunto muito caro ao Acre e, infelizmente, a bancada federal do Estado contribui pouco para qualificar o debate. Talvez uma parlamentar fale com mais lógica, na tentativa de aprender. Os demais, todos, têm uma visão maniqueísta, obscura, envelhecida. Confundem “desenvolvimento” com “crescimento econômico” em todas as oportunidades que tratam do assunto. Não aceitam a complexidade da floresta.


Gostam da matemática da engenharia agronômica, cartesiana, que sabe quanto cada semente pode render em cada palmo de chão. A floresta bagunça esse cálculo. E poucos são os que se dispõem a aprender a “matemática da diversidade”.


O Dia da Amazônia de 2024 vive um cenário sombrio: um em cada quatro municípios brasileiros atravessa período de seca severa. E o Acre bem sabe disso. O Centro de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) contabiliza que esse é um dos piores cenários dos últimos 40 anos. Só em agosto, o fogo alcançou, na Amazônia, uma área de 2,5 milhões de hectares. Foram 80% mais focos de calor do que se teve no mesmo período do ano passado.


Por decisão, ignora-se (ou, pior, ironiza-se) o aquecimento global com a queima. Secas extremas que antes aconteciam a cada 50, 100 anos, agora acontecem a cada 5, 10 anos ou mesmo um ano seguido do outro (como 2023 e 2024, por exemplo). E isso está sendo normalizado. O Dia da Amazônia é um convite a que não se permita essa rotina. Uma provocação e uma inquietude em defesa da vida. A vida, simplesmente, mesmo que seja por teimosia.


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