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As queimadas e a inconsequência por decisão dos incendiários

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Editorial ac24horas

Sim, o Acre existe e é nele onde está um dos lugares do continente onde um dos ventos faz a curva. Sim, essa condição, que deveria servir para refrescar os acreanos e rejuvenescer as energias, é a mesma que faz com que todos por aqui se sufoquem com o bocado de fumaça nos peitos. Sim, é verdade também que não bastasse essa fumaça “importada” (sobretudo do Sul do Amazonas), há os incendiários daqui mesmo.


Esse cenário cinzento diz muito dessa era de extremos que se vive atualmente.


E por que essa “cena” diz muito da sociedade atual? Porque o ato da queima criminosa passou, de uns tempos pra cá, a ser uma “postura política”. Queimar ao arrepio da lei tornou-se uma contestação pouco refinada da ordem política em vigor. Queimar ao arrepio da lei é confrontar um modelo de desenvolvimento em bases ambientalmente sustentáveis: o regozijo de ver a fumaça ao longe, sorrindo da varanda da nova Casa Grande entre uma ordem e outra à peãozada.


Desde o final dos anos 70… início dos 80 que o Sul do Amazonas, região plana que é, passou a ser cobiçada pela atividade pecuária. Praticamente, é a região onde o Amazonas “planta” gado desde então. Não à toa, é também a região onde a grilagem faz parte da rotina. As recentes operações da Polícia Federal e do Incra na região não permitem esquecimento do problema. Os agricultores de base familiar relatam também violência no campo. E o que isso tem a ver com queimadas? Tudo. A queimada praticada na Amazônia vem acompanhada de um conjunto de ilegalidades.


O que se está tratando aqui não é da melancólica prática da coivara. A queimada em questão não tem como cálculo o plantio manual de manivas. A empresa tratada aqui é de outra monta. A sequência grilagem-desmate-queima-atividade pecuária-especulação imobiliária tem, em toda região Amazônica, no mínimo, 70, 80 anos. O que está sendo dito nestas linhas, portanto, está longe de ser uma novidade, uma opinião ou uma ficção. É história.


O Acre também produz o seu bocado de fumaça. E as regiões dos vales dos rios Juruá e Envira têm concentrado quase metade das queimadas do Acre. Nessas regiões, conta-se nos dedos de uma mão quantos são os “grandes produtores”. Ora, se no Acre inteiro, já são raros os que se enquadram nesse grupo, é de se imaginar o perfil de quem teima em produzir em Feijó, Tarauacá ou Cruzeiro do Sul. A maior parte é formada por agricultores de base familiar.


Essa “migração” da agropecuária em bases mais sólidas para o interior do Acre é usada como trunfo nas rodas mais restritas dos “grandes produtores” da região do Vale do Rio Acre, a de maior capital instalado e melhor infraestrutura. “A vocação do Acre é para a agropecuária e o pequeno agricultor percebe isso” é um raciocínio que serve quase como um mantra para convencer adeptos à ideia do “agronegócio na região”.


A Polícia Militar já tem informações de que nessas regiões do Envira e Juruá (e também no outro extremo do Estado, em Acrelândia) têm se instalado grupos organizados de ocupação de florestas públicas ou em áreas de litígio. São profissionais: uso de redes sociais e contatos em todas as esferas de poder. São bem informados e articulados.


De acordo com o Inpe, em 2024, até agosto, foram 1.891 focos de calor no Acre. Nesse mesmo período, ano passado, foram registrados 1.638 focos. O Inpe faz comparações dia a dia, de um ano comparado ao ano anterior: só em 12 dias de agosto do ano passado queimou-se mais que esse ano. Todos os outros, em 2024, superaram o número de queimadas do ano passado. Com destaque para o dia 23 de agosto quando foram registrados 234 focos. No mesmo dia, em 2023, havia 55. No acumulado do mês de agosto, têm-se os seguintes números, de acordo com o Inpe: em 2023, havia 679 focos. Em 2024, 1.151. Um aumento de 69,51%. Resumindo, o Acre está queimando mais. Sente-se isso na pele. Vê-se isso nos rios que agonizam em todo Acre. Ano a ano, vai-se normalizando esse cenário com a retórica de que “sempre foi assim”.


Quem estuda o assunto relativiza essa afirmação. Mas quem manipula o debate negando a Ciência tem conquistado cada vez mais defensores (os números do Inpe mostram) e ocupado espaços políticos de relevância (a rotina da maior parte da bancada federal do Acre comprova). A era de extremos está sendo ignorada, por decisão, por muitos acreanos. O preço dessa postura ainda será contabilizado.


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