O comércio internacional não é lugar para amadores. Ele exige dezenas de obediências. Mas três são cláusulas pétreas: excelência na qualidade dos produtos; escala de produção de maneira a sempre atender às demandas; cumprimento de prazos/contratos. Essas são referências básicas para quem pleiteia fazer parte do exigente “mercado externo”. Nem todas as empresas acreanas querem tanto. São poucas.
No entanto, mesmo as empresas que nem sonham em atuar nesse tipo de comércio, precisam ficar atentas porque serão impactadas diretamente por ele. O site ac24horas dedica um editorial para chamar atenção aos empresários que se viciaram em perceber a cena acreana como se fosse um eterno jogo de interesses entre os diversos governos e os amiguinhos do comércio local.
Sim, é verdade que a importância do Estado do Acre para o comércio e a incipiente indústria local ainda é grande. O jogo de interesses existe e é evidente. Mas, aos poucos, o cenário tem apresentado nuances que raros empresários têm percebido. Aqueles que participam dos debates na Acisa, na Fecomercio, na Fieac já compreenderam as exigências que a integração com o Peru e, por consequência, com os países banhados pelo Pacífico (incluindo o oeste norte-americano) impõe.
Mas não é a estes que a atenção está sendo focada neste espaço. A preocupação aqui é com o pequeno e o micro-empresário. Quem se enquadra neste perfil, precisa se fazer a seguinte pergunta: “eu e minha empresa estamos preparados para esta integração, mesmo sem nenhuma pretensão de atuar com exportações?”.
É preciso ter dimensão do ovo do dragão que está sendo chocado partindo do Centro-Oeste brasileiro estendendo-se até a cinzenta Lima, com um Acre no meio. Por que a integração do Brasil com a Ásia está ganhando essa dimensão? E o que o modesto Acre tem a ver com isso? Bom… seria muita pretensão deste site colocar em meia dúzia de parágrafos o que teses de Administração de Empresas se esforçam em explicar há anos. Mas o enxerimento permite um esboço.
Primeiro é preciso relacionar a integração do Brasil/Peru com a expansão do capital chinês em escala global. Essa relação é direta e muito poderosa. Tão poderosa que, por mais frágil que seja o cenário político do Peru; por mais instável que seja, o leitor vai ter que admitir que isso acaba sendo um aspecto coadjuvante.
E por que se torna coadjuvante? Torna-se assim pela agressiva expansão do capital e isso atropela qualquer danação de Dinas Boluartes ou dos vacilos e contradições do antecessor retirado do poder, professor Pedro Castillo. Só um dos projetos chineses na região (frisa-se: apenas um dos projetos mais citados), o Porto de Chancay, está orçado em US$ 3,6 bilhões. Quem investe dinheiro nesse bocado e em tão pouco tempo não está para brincadeira.
O atual presidente da República do Brasil se associa a essa percepção de “fortalecimento das relações comerciais nas fronteiras do Brasil”; ou ainda “é preciso fortalecer o comércio Sul-Sul” (fazendo referência à retomada das relações comerciais com países africanos). É nesse cenário que surgem os cinco quadrantes expostos recentemente ao empresariado acreano pela ministra do Planejamento, Simone Tebet. O que estiver ao alcance de Brasília para que esses projetos de infraestrutura sejam efetivados, o Planalto não colocará empecilhos. É, mais uma vez, a lógica do capital se impondo à agenda política. Nessa agenda, tem estradas que atravessam comunidades indígenas, tem ferrovias, pontes, portos.
No início dos anos 60, dentro de uma complexa rede de intrigas, o ainda não poderoso Deng Xiao Ping conquistou terrenos importantes após a morte do chefe Mao Tsé-Tung. Exigiu as pastas da Tecnologia e da Educação. Foi na tentativa de construção de relações com o Japão que ele pronunciou a frase mais conhecida dele: “Não importa a cor dos gatos, desde que eles cacem ratos”.
Isso serviu de senha para o capital, de olho na mão de obra abundante e um governo que queria afastar as dificuldades sociais e econômicas porque passava sob qualquer custo. O fato é que, desde a fala sobre a cor dos gatos até hoje, 63 anos se passaram e a China dispensa apresentações na versão contemporânea.
E o que as micro e pequenas empresas do Acre têm a ver com esse jogo de gigantes? Justamente por serem pequenos, a vigilância precisa ser maior. É uma armadilha achar que as empresas daqui passarão imunes ao processo. A qualidade dos serviços locais precisa passar por uma revolução; o trabalhador que, na média, não consegue nem ler uma notícia de jornal inteira, precisa ser reeducado em novas bases; instituições como o Sebrae e o Banco da Amazônia precisam ser fortalecidas. Ou os micro e pequenos empresários do Acre percebem esse cenário, ou nem precisarão ser assustados pelos requebros do dragão. O assombro pode vir de um mero piado de qualquer pinto, de qualquer quintal.
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