Francisco Araújo Silva, conhecido como Chico Bianô, foi um experiente caminhoneiro que transitava pelas estradas da Amazônia em uma época em que as rodovias pavimentadas ainda eram uma mera aspiração. Um tempo difícil de conceber a ligação asfáltica entre a capital acreana, Rio Branco, e Porto Velho, quando Rondônia ainda era um Território Federal.
Em 1979, por exemplo, a BR-364 foi asfaltada até Cáceres (nas cabeceiras do Rio Paraguai, no Pantanal) de quem vinha de Várzea Grande e Cuiabá. De Cáceres a Brasiléia, fronteira com a Bolívia onde Chico morava, eram mais de 2.000 quilômetros de estrada de chão. Poeira no verão, lama no inverno chuvoso.
Chico Bianô, embora enfrentasse estradas lamacentas, atoleiros imensos, rios e igarapés, pinguelas e pontes, balsas que atravessavam o Rio Madeira, a terra Xingu, Rondonópolis e Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, sempre chegava ao seu destino, São Paulo, com seu caminhão Mercedes Benz. Ele fazia essa viagem de ida e volta sem qualquer pressa. Essa era uma peculiaridade notável de Chico Bianô: nunca ter pressa na vida, para nada.
Para aqueles que transitavam na estrada, tornou-se comum avistar o caminhão de Chico Bianô estacionado à margem de uma estrada enquanto ele se aventurava na mata durante a noite. Era o chamado selvagem da floresta ao menino seringueiro-caçador. Ele conhecia todas as árvores que forneciam alimento para os animais silvestres entre Rio Branco e Brasiléia. Retornava para casa com pacas, veados, porcos selvagens e algumas embiaras, além de frutas e legumes.
O primeiro caminhão de Chico Bianô ostentava uma cor verde oliva, uma homenagem à exuberante floresta em que nasceu. Posteriormente, de uma azul vibrante, remetendo ao céu estrelado das noites de verão e outono do mesmo lugar de onde veio ao mundo, o Seringal Porvir e a colocação Cachoeira, no Seringal Carmen, nas margens do Rio Acre.
Embora tenha nascido seringueiro, não estava destinado a permanecer assim; seu sonho audacioso era viajar pelo mundo, descobrindo novas terras. Portanto, escutar as narrativas de quando criança e jovem no seringal e de suas viagens a bordo do caminhão era uma experiência fascinante.
Além de seringueiro e motorista de caminhão, Chico Bianô era um excepcional caçador e contador de histórias. Ele sempre iniciava seus relatos dizendo: “Garotos, o que eu vi e ouvi… vou contar para vocês”. E nós, meninos, ouvíamos boquiabertos as aventuras do tio Chico Bianô.
Uma das suas primeiras aventuras, quando ainda era jovem na localidade de Cachoeira, foi se perder na floresta. Recordou que o incidente ocorreu durante o verão, numa lúcida manhã de sábado, sob um céu claro e um sol radiante – condições perfeitas para uma caminhada na mata em busca de caça. Estava equipado com uma espingarda, alguns cartuchos, um facão na cintura e uma espécie de saco, chamado “marico”, para transportar o que abatesse.
No entanto, ao se aventurar da Cachoeira na beira do rio para a densa floresta entre as colocações de Cambuquira e Ajuricaba, acabou se perdendo. Este incidente gravou uma lição inesquecível em sua memória.
Rodeado pela vastidão verde, sua noção de direção desapareceu. O silêncio da mata amplificou sua sensação de isolamento, tornando cada passo mais desafiante. Entretanto, apesar do medo, sua determinação o impulsionava a prosseguir.
Ele caminhou por horas até a chegada da noite. Sem alternativas, compreendeu que teria que dormir na selva.
“Busquei uma árvore grande, com uma raiz aérea (sacupemba) adequada para me proteger. Ali, sob a sacupemba, fiz um abrigo improvisado. O medo noturno da selva aguçou meus sentidos, me deixando mais consciente do perigo. Uma onça, cobra, um gogó de sola”, pensava.
“A noite foi desafiadora, contudo, encontrei refúgio em Deus, conforme minha mãe havia me ensinado”. Ele aprendeu com ela um Salmo emocionante que o acompanharia ao longo de sua vida: “Levanto meus olhos para as montanhas, de onde virá meu auxílio? Meu socorro vem do Senhor que criou os céus e a terra.” Entre um breve descanso e outro, Chico Bianô contou que orava a Deus pedindo proteção. “Senti a presença divina naquele lugar”, relembrou anos depois.
Algumas horas antes do amanhecer, o canto de um galo ressoou perto dele.
“Pensei estar sonhando, preso naquele limiar entre o sono e o despertar”.
O galo cantou novamente. Seria realmente possível um galo estar ali, no coração daquela vasta floresta? Gradualmente, o dia começou a nascer, foi partejando, permitindo-lhe identificar o local onde estava. Recordou as palavras dos antigos seringueiros: _ A floresta é enganosa, frequentemente nos levando a percorrer em círculos.
Ele percebeu que estava muito perto de sua casa, mais precisamente na parte de trás, onde ficava a cozinha e de onde se podia ver o jirau. Passou um dia inteiro e uma noite perdido na floresta. Dormiu ao relento, sentiu medo e procurou a Deus. A lição que aprendeu foi a de ter respeito e humildade diante da natureza. Ele entendeu o poder da natureza e sua imprevisibilidade. A experiência o tornou mais consciente de sua insignificância perante a vastidão da vida selvagem, reforçando sua fé e humildade.
Essa história ele contou com graça e bondade para nós meninos que imaginávamos cada cena narrada por ele. Cenas que ficaram gravadas na memória por nós para todo o sempre.
Um grito na selva…
Durante uma de suas viagens para Rio Branco, Chico Bianô descobriu uma gameleira situada à margem de um igarapé, aproximadamente 500 metros distante da estrada. Ele observou que os frutos caiam maduros.
“Quando voltar vou ver se consigo matar um bicho naquela gameleira”, planejou.
Com o plano em mente, ao retornar para Brasiléia, Chico parou o caminhão e se dirigiu à mencionada gameleira para realizar sua caçada. Atou a rede quase rente ao chão como de costume. Ele relatou que era por volta das 20h, pouco antes da lua cheia surgir no céu.
“Ouvi um grito tão assustador que parecia não ser deste mundo”, exclamou, com o olhar fixo no horizonte. “Jamais esquecerei o que ouvi à beira daquele igarapé. A lembrança ainda me arrepia. Em toda a minha experiência na floresta, nunca encontrei nem ouvi um animal capaz de emitir tal som”, disse ele, pensativo, tentando desvendar o mistério por trás daquele grito. No entanto, isso não o impediu de continuar suas aventuras e caçadas.
Nós, meninos, conforme mencionei previamente, escutávamos atentamente, com os olhos arregalados e a boca aberta, as histórias que ele contava quando nos visitava, já que nossa mãe era sua irmã. Uma vez, alguém proferiu que chega um momento na vida de uma pessoa em que ela se alimenta de memórias afetivas. É um período no qual dinheiro e bens materiais perdem sua importância. Passamos a viver de recordações e sentimentos afetuosos. Chico Bianô foi um homem extraordinário ao seu tempo e a seu modo e nós amávamos.
P.S. Esse texto não tem a intenção de ofender e ferir ninguém!
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