A imagem do presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e do presidente da Bolívia, Luiz Arce, é referência para tratar da construção de um novo ambiente econômico na região andina do cone Sul. Na foto, faltou a presidente peruana, Dina Boluarte, para completar o trio fundamental. No Brasil, o assunto impacta a quem precisa discutir negócios com China e Índia sem mais se preocupar quanto está sendo cobrado de pedágio no Canal do Panamá.
Os governos dos três países sabem que as Rotas de Integração Sul-Americana exigem muitos recursos. Com limitações nos cofres oficiais, precisam recorrer à iniciativa privada. Ao Acre, essa discussão possui cifras muito distantes da rotina das empresas e dos governos locais. É um debate para um capitalismo ainda estranho aos barrancos daqui.
No entanto, o Acre não pode cometer o erro de se alienar do debate. É necessário se preparar para os possíveis desdobramentos dessa integração com os países andinos e as consequências asiáticas dessa relação. Tendo este cenário como referência, como está o preparo da iniciativa privada acreana para esta provável nova cena econômica?
Sem nenhuma intimidade com o comércio internacional, o Governo do Acre está empolgado com o desempenho das exportações. Está começando a criar proximidade com a linguagem debatida em dólar. A informação de que o Acre exportou no primeiro semestre volume superior ao comercializado durante todo o ano de 2023 foi celebrado com entusiasmo. Foram US$ 48,6 milhões. São US$ 2,8 milhões a mais do que os US$ 45,8 milhões registrados durante o ano passado.
A celebração diz muito da pequenez do Acre no cenário global. É o Estado que menos exporta: está em 7º lugar entre os estados do Norte e 27º do país. O crescimento registrado é em cima de uma base muito modesta. Mas é justamente esse cenário que está em processo de mudança e as empresas acreanas precisam compreender isso.
No discurso oficial com o presidente Arce, o presidente Luis Inácio Lula da Silva realimenta polêmicas que variam de acordo com o interesses. Quando ele fala que Brasil, Bolívia e Peru têm “riquezas que hoje o mundo precisa”, é uma fala tão ampla que sugere desde a extração de lítio até a manutenção da “floresta em pé”. Vai depender do interlocutor. “Nós temos que oferecer ao mundo algumas coisas que eles não têm”.
A pauta de exportações acreanas também realimenta o debate. Estão lá: soja; carne suína e derivados; carnes bovinas e derivados; castanha do Brasil; madeira e derivados. “É quase a pauta de exportações do século dezesseis”, ironiza o coordenador da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Acre, Rubicleis Gomes da Silva. “Nós precisamos ter cuidado para não repetir, no século 21, o que aconteceu no país no século 16”.
O professor integra, como representante da Ufac, o Fórum Empresarial de Desenvolvimento e Inovação do Acre, um colegiado liderado pela Federação das Indústrias que reúne instituições públicas e privadas para debater “Desenvolvimento Regional”. Tem sido um dos mais influentes centros de discussões, gerando muitos dados sobre a economia da região.
O coordenador é cuidadoso ao fazer diferenciações. Ressalta que há uma parte dos empresários que está atenta às movimentações econômicas e necessidades de investimentos. Mas não poupa críticas. “Outra parte do empresariado daqui não está acostumada a competir”.
O professor elenca algumas iniciativas, sobretudo ligadas ao segmento alimentício, que têm buscado se diferenciar no mercado. “Miragina, Cooperacre, Acre Aves têm oferecido produtos que agregam valor e se diferenciam”, pontua.
O coordenador, no entanto, sabe que as obras de infraestrutura para efetivar as cinco Rotas de Integração Sul-Americana (chamada por alguns de “rotas bioceânicas”) e as grandes empresas envolvidas no competitivo comércio internacional não acolhem as frágeis empresas do Acre.
“Mas as empresas daqui que não se atentarem para esse movimento terão sérios problemas”, ensina. “Nós podemos nos beneficiar de toda essa movimentação. Mas precisamos nos preparar. Na rede hoteleira daqui, por exemplo, são poucas as pessoas que dominam um segundo idioma. Isso é inconcebível”, afirma, antes de tratar de uma mudança estratégica no ambiente empresarial. “Assim como esse exemplo da rede hoteleira, há carências elementares em outros segmentos que precisamos resolver urgentemente. É preciso nós criarmos nas nossas empresas do Acre a cultura do investimento”.
O presidente da Agência Brasileira de Promoção das Exportações, Jorge Viana, relaciona o desempenho das exportações acreanas em 2024 com o trabalho da Apex. A agência, no entendimento de Viana, não tem priorizado segmentos específicos aqui no Acre. A agência procura apoiar as cadeias produtivas que têm o comércio externo como foco, independente da área em que atuam.
“Isso aí, de fato, já é reflexo do trabalho da Apex, do trabalho do presidente Lula, de um esforço que a gente está fazendo que agora tem uma política de valorizar, de promover os produtos do Brasil todo. Eu estou fazendo questão de trabalhar muito com a Cooperacre, que tem uma cadeia produtiva importantíssima, a mais enraizada do Estado, e também com os projetos da Dom Porquito, Acre Aves e ao mesmo tempo com a parte dos frigoríficos. Ou seja: sem excluir ninguém, temos avançado muito”.
A soja foi o produto do Acre que gerou maior volume de recursos no comércio exterior no primeiro semestre deste ano, comparado a todo o ano de 2023. US$ 21,59 milhões nos seis primeiros meses de 2024. E US$ 16,57 milhões em todo ano de 2023. O crescimento foi de 30,3%.
A pecuária mantém o desempenho de uma das cadeias produtivas mais consolidadas na região. Cresceu 352,3%. Em 2023, comercializou US$ 1,77 milhão. Em 2024, até junho, US$ 8,02 milhões.
A castanha do Brasil também teve desempenho alto: cresceu 82,5% das exportações. Foram US$ 3,02 milhões em 2023 e US$ US$ 5,52 milhões no primeiro semestre de 2024.
O secretário de Estado de Indústria, Ciência, Tecnologia e Inovação, Assurbanipal Barbary de Mesquita, relaciona o desempenho das exportações acreanas à capacidade das empresas locais de investir. “É uma demonstração de força do setor privado”, avalia o gestor. “É claro que temos muitos desafios, como a questão do capital de giro das empresas e formar uma cultura de investimentos na rotina do empresário, seja ele de qual tamanho for”.
Barbary de Mesquita, no entanto, chama atenção que esse ambiente formado pela possível integração com os países andinos pode ser boa para quem quer fazer o caminho inverso. “É possível ganhar dinheiro também com a importação”, alerta. “Muitos de nós ignoramos isso, mas é outra forma de comércio que não pode ser desprezada”.
1. Inexistência de um “porto seco” (Estação Aduaneira do Interior);
2. Inexistência de voos internacionais;
3. Infraestrutura precária;
4. Deficiências nos serviços de telecomunicações;
5. Inexistência de unidade de credenciamento da ANTT;
6. Problemas de ordem tributária;
7. Falta de integração com sistema Siscomex
8. Insegurança jurídica nas relações com os outros países;
9. Inexistência de uma trading para atender empresas de pequeno porte;
10. Baixa quantidade e qualidade de mão de obra qualificada;
11. Falta de laboratório para emitir laudos técnicos (para importação ou exportação).
O secretário de Estado de Indústria, Ciência, Tecnologia e Inovação, Assurbanipal Barbary de Mesquita, esteve em Cruzeiro do Sul na semana passada para discutir como melhorar a cadeia da suinocultura na região. Foi uma justificativa para apresentar outra intenção: recriar o Comitê Acre/Ucayalli.
Esse comitê é formado por representantes da iniciativa privada, sobretudo. O que há de movimento social e popular é apenas para referendar a agenda dos empresários locais. O que está em questão é a integração do Brasil com o Peru por meio da região de Pucallpa.
Há argumentos fortes, fundamentados em questões estritamente econômicas. “O primeiro: naquela região dos Andes, digamos, a ‘ladeira’ é mais baixa, comparada a outras regiões do Peru”, pontua o secretário. “É muito mais baixa que pela região do Alto Acre, por exemplo. E porque isso é importante? Por causa dos custos. Com um relevo assim, nós podemos usar caminhões articulados, o que é praticamente impossível fazendo o transporte pelo Alto Acre”.
O segundo argumento guarda relação com outro grande investimento, o Porto de Chancay, o porto chinês de US$ 3,6 bilhões. O projeto é tão grandioso que é apontado como um fator determinante para a criação de uma “Nova Rota da Seda”, uma expressão criada em laboratório de marketing, mas que já ganha adeptos por aqui.
“O Porto de Chancay muda a dinâmica da logística de carga no Cone Sul”, afirma o secretário. “E a construção da estrada via Pucallpa encurta em cerca de 600 quilômetros até chegar em Lima que fica ao lado onde está o Porto de Chancay”. “Nós estamos trabalhando com a ideia de que esse processo todo seja concluído em 10 anos”, calcula Barbary de Mesquita. “Respeitamos todas as leis ambientais. Vamos fazer tudo o que diz a lei. Mas é um caminho sem volta”.
É uma polêmica antiga porque a construção dessa estrada terá impactos sócio-ambientais já velhos conhecidos da história econômica brasileira nos diversos ciclos: do pau-Brasil, ouro, café, algodão, borracha, agricultura, pecuária.
“Em se tratando de integração nós já vimos que todos os atores políticos, tanto à direita quando à esquerda, veem como necessária a construção dessa estrada ou a haver integração rodoviária. Evolue-se pouco nas outras formas de integração, mas querem começar por esta, não é?”, contrapõe-se um dos diretores da organização não governamental SOS Amazônia, Miguel Scarcello. “O que está prevalecendo é esta lógica econômica que não bota na conta e não entende o quanto é importante a conservação da floresta, o quão importante é a manutenção da biodiversidade, a garantia dos direitos dos povos originários, e quanto isso tudo é importante para o incremento da bioeconomia”.
Para Scarcello, essa forma de integração é um equívoco. “É preciso ter mais clareza sobre isso. O referencial econômico tem que levar mais em consideração essas questões. O poder político e o poder econômico se entrelaçam o tempo todo e eles veem isso como uma grande oportunidade de ganho e que acha que tudo vai acontecer tendo a estrada pronta”.
Em dezembro de 2021, a SOS Amazônia, a Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá, a Comissão Pró-Índio, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira e o Conselho Nacional das Populações Extrativistas formalizaram uma Ação Civil Pública junto à Justiça Federal contra o Dnit e bloquearam o processo de licitação para a construção da estrada entre Cruzeiro do Sul e o Boqueirão da Esperança, na fronteira com o Peru.